terça-feira, 29 de setembro de 2015

Partido e Classe Operária - Anton Pannekoek

PARTIDO E CLASSE OPERÁRIA*

Anton Pannekoek



Não estamos mais que no início de um novo movimento operário. O antigo movimento se encarnava em partidos e a crença no partido constitui hoje o freio mais poderoso à capacidade de ação da classe operária.  Por isso nós não buscamos criar um novo partido, e não porque somos poucos – qualquer partido em sua origem é pequeno – mas porque em nossos dias o partido não pode ser mais que uma organização que tende a dirigir e a dominar o proletariado. A este tipo de organização nós opomos o seguinte princípio: a classe operária não poderá afirmar-se a não ser com a condição de que ela mesma tome o seu destino em suas mãos. Os operários não devem adotar religiosamente as palavras de ordem de um grupo qualquer, nem sequer as nossas, mas pensar por eles mesmos, decidir e atuar autonomamente. Por isto, neste período de transição, consideramos como seus órgãos naturais de clarificação os grupos de trabalho, os círculos de estudos e de discussão, que se formam a partir deles mesmos, criando seu próprio caminho.

Essa forma de ver se encontra em flagrante contradição com as ideias tradicionais sobre o papel do partido como órgão mais importante de esclarecimento do proletariado. Disso resulta que esta choca com uma resistência que dificulta a penetração até mesmo em numerosos meios onde já não querem saber nem do Partido Socialista nem do Partido Comunista. Por um lado, sem dúvida, é em razão do poder que conserva a tradição: quando sempre se viu na luta de classes uma luta entre partidos, é muito difícil considerar o mundo sob o ângulo exclusivo da classe e da luta de classes. Por outro lado, isso ocorre por persistir a ideia de que, apesar de tudo, cabe ao partido o papel em primeiro plano na luta do proletariado por sua emancipação. Esta ideia é a que vamos examinar agora mais detalhadamente.

Trata-se, em resumo, da seguinte distinção: enquanto um partido é um agrupamento que se organiza em torno de ideias, uma classe é um agrupamento que se organiza em torno de interesses. O pertencimento a uma classe está determinado pelo papel no processo de produção, que implica em interesses específicos. O pertencimento a um partido está ligado a um grupo de pessoas que tem as mesmas opiniões e modos de ver o que diz respeito às grandes questões sociais.

Até recentemente se acreditava, por razões teóricas e práticas, que esta diferença fundamental desapareceria no interior do partido de classe, o “partido operário”. Durante o desenvolvimento da socialdemocracia, se tinha a impressão que este partido iria englobar paulatinamente todos os trabalhadores, parte na qualidade de militantes, parte como simpatizantes. Como a teoria enunciava que interesses idênticos devem engendrar obrigatoriamente ideias e objetivos idênticos, acreditava-se que a distinção entre classe e partido ia apagar-se gradualmente. Porém, não aconteceu nada disso. A socialdemocracia nunca passou de uma minoria, e foi atacada por outros grupos organizados da classe operária. As cisões logo ocorreram, ao mesmo tempo em que seu próprio caráter sofria uma metamorfose e que certos aspectos do seu programa eram revistos ou interpretados num sentido totalmente diferente. A sociedade não se desenvolve de maneira contínua, sem saltos, mas sim através de lutas e antagonismos. Ao mesmo tempo em que a luta operária assume importância, a força do inimigo cresce. A incerteza e a dúvida sobre o caminho a escolher, renascem sem cessar no espírito dos combatentes. E a dúvida é um fato de cisões, querelas intestinas e de enfrentamentos de tendências no seio do movimento operário.

É inútil lamentar estas divisões e estas lutas de frações como uma coisa perniciosa, que não deveria existir e que reduz os trabalhadores à impotência. Tal como foi afirmado várias vezes nestes escritos, a classe operária não é débil porque está dividida, mas ao contrário, está dividida porque é débil. E esta é a razão pela qual o proletariado deve colocar-se em busca de novos caminhos. Essa situação faz com que o inimigo disponha de um grande poder e faz com que os métodos antigos sejam ineficazes. A classe operária não chegará à revolução por arte de magia, mas ao preço de duros esforços, de um trabalho de reflexão no choque de opiniões divergentes, de conflitos de ideias. É seu papel encontrar seu próprio caminho. É nisso que reside precisamente a razão de divergências e lutas internas. Ela é constrangida a renunciar às velhas ideias e ilusões e é juntamente a dificuldade desta tarefa que engendra divisões tão grandes.

Não se deve tampouco ter a ilusão de que este Partido – e estas lutas de ideias, não são naturais além do período de transição, como agora, e que vão desaparecer em seguida, voltando a existir uma unidade maior que a anterior. Certamente, no desenvolvimento da futura luta de classes, às vezes ocorre que todas as forças se confluíam em vista a levar a cabo uma grande vitória e a ação assim realizada tenha como resultado a revolução. Porém, neste caso, ou mesmo após cada vitória, as divergências reaparecem imediatamente no que diz respeito à fixação de novos objetivos. Mesmo se a classe operária é vencedora, se encontra então inevitavelmente deparando-se com as tarefas mais árduas: subjugar o inimigo, organizar a produção, criar uma nova ordem. É impossível que todos os trabalhadores, todos os estratos e grupos, cujos interesses distintos, pensem e ajam da mesma maneira e estejam de acordo sobre todos os assuntos, criando uma unanimidade. Justamente por terem que decidir por si mesmos e que por isso haverá divergências fortes, enfrentamentos, e, assim, conseguem clarificar suas ideias.

Contudo, se pessoas que compartilham as mesmas concepções fundamentais se reúnem para debater perspectivas de ação, para chegar a uma clarificação por meio da discussão, com o objetivo de propagandear suas teses, pode-se dar a esses grupos o nome de partidos, caso queiram. Pouco importa o nome, pois eles seriam partidos num sentido radicalmente diferente dos de hoje. A ação prática, a luta concreta, é a tarefa própria das massas trabalhadoras, que, atuando em sua totalidade no seio de seus agrupamentos naturais, isto é, em conselhos de fábrica ou outros semelhantes, pois estes são as unidades práticas do campo de batalha. Seria uma aberração ver militantes de uma tendência declarar greve enquanto os de outra persistem em trabalhar. Neste caso, os militantes de ambas as tendências devem ir expor seus respectivos pontos de vista diante das assembleias de fábricas com o objetivo de permitir ao conjunto dos operários pronunciar-se com conhecimento de causa. Dada à dimensão da luta e o enorme poder do inimigo, para alcançar a vitória é preciso unificar todas as forças que dispõem as massas, não somente a força material e moral, com o objetivo da ação, a unidade e o entusiasmo, mas também a energia espiritual que nasce da lucidez. A importância desses grupos de opinião reside no fato de que eles contribuem para a clarificação através de suas lutas recíprocas, de suas discussões, de sua propaganda. Através destes órgãos de autoclarificação, a classe operária chega a descobrir, por si mesma, o caminho da liberdade.

Esta é a razão pela qual esses grupos de opinião não têm porque produzir estruturas rígidas e irremovíveis. Diante de toda a mutação de situação ou a toda nova tarefa, os espíritos se separam para reagrupar-se distintamente; outros surgem com outros programas. Visto seu caráter flutuante, estão sempre em condições de adaptar-se novamente.

Os partidos operários atuais têm um caráter absolutamente oposto. O seu objetivo é tomar o poder e exercê-lo em seu único proveito. Longe de contribuir com a emancipação da classe operária, almejam conquistar o poder apresentando isso como se fosse a libertação proletária. A socialdemocracia, cujo desenvolvimento remonta à grande época do parlamento, concebe este poder sob os aspectos de um governo parlamentar. O Partido Comunista desenvolve sua vontade de dominação até suas consequências mais extremas: a ditadura do Partido.

Estes partidos, contrariamente aos grupos de opinião descritos por nós, devem ter formações de estrutura rígidas, cuja coesão está assegurada através de estatutos, medidas disciplinares, procedimentos de admissão e expulsão. Aparatos de dominação, que lutam pelo poder, mantendo os militantes no caminho justo, com a ajuda de elementos de força que dispõem soberanamente, esforçando em se expandir constantemente e crescer sua esfera de influência. Não se entregam à tarefa de educar os trabalhadores para que pensem por si mesmos, mas, ao contrário, visam transformá-los em adeptos fiéis e devotos de suas doutrinas. Enquanto a classe operária tem necessidade de uma liberdade de desenvolvimento ilimitado, de desenvolvimento mental, para aumentar suas forças e chegar até a vitória, o partido busca dirigir, com base na repressão, todas as opiniões em desacordo com sua linha. No interior dos partidos “democráticos”, este resultado se obtém graças a métodos que salvaguardam as aparências de liberdade, nos partidos ditatoriais, por uma repressão brutal aberta.

Numerosos trabalhadores já se dão conta de que a dominação do partido socialista ou do partido comunista não será mais que a hegemonia, sob forma camuflada, de uma classe burguesa, que perpetuará, assim, a exploração e permanece a subjugação da classe trabalhadora. Porém, segundo eles, seria necessário construir em seu lugar um “partido revolucionário”, que tenderia a realmente instaurar um poder proletário e a sociedade comunista. Não se trata, de modo algum, de partido no sentido definido anteriormente, de um grupo de opinião em que o único princípio é esclarecer, mas trata-se de um partido no sentido atual, de um partido que luta pelo poder e para exercê-lo na qualidade de vanguarda para explorar a classe em nome de sua libertação.

A própria expressão “partido revolucionário” é uma contradição em termos. Um partido desse tipo não pode ser revolucionário. Só pode ser considerado assim se entendermos por revolução uma mera mudança violenta de governo e não seria mais revolucionário do que o III Reich, por exemplo. Quando nós falamos revolução, evidentemente pensamos na revolução proletária, na conquista do poder pela própria classe operária.

O “partido revolucionário” tem como base a ideia segundo a qual a classe operária não poderia prescindir de um grupo de chefes capazes de vencer a burguesia para formar um novo governo – aqui se mostra a convicção de que a classe operária é incapaz de realizar, ela mesma, a revolução. É com base nessas ideias que pensam que os líderes instauraram o comunismo por decreto. Em outras palavras, a classe operária ainda é incapaz de administrar e de organizar, ela mesma, seu trabalho e sua produção.

Esta tese não tem validade, pelo menos nos dias de hoje? Olhando a classe operária atualmente, como uma massa, se manifesta incapaz de fazer a revolução, e por isso não seria necessário que a vanguarda revolucionária, o partido, o faça em seu lugar? E isto não seria válido enquanto as massas suportar o capitalismo sem resistir?

Este modo de ver as coisas, faz pensar imediatamente em outras coisas: que força este partido possui para realizar a revolução? Como fará para vencer a classe capitalista? A resposta só pode ser: a sublevação das massas. Efetivamente, só o ataque em massa, lutas e greves de massas, permitem derrubar a velha dominação. Assim, o “partido revolucionário” não chega a lugar algum sem a intervenção das massas.

Assim, duas coisas podem acontecer. As massas persistem na ação e não abandonam o combate, não abrem mão da luta para deixar o novo partido governar. As massas, então, organizam seu poder nas fábricas e oficinas e se preparam para novas lutas com o objetivo, desta vez, de derrubar definitivamente a dominação do capital, formando, através dos conselhos operários, uma união sólida e cada vez mais coesa, que seja capaz de assumir o controle de toda a sociedade. Em outras palavras, as massas demonstram que não são tão incapazes para a revolução, como se pretendia. A partir desse momento surge o conflito entre as massas e o novo partido desejoso de ser o único detentor do poder, convencido pela sua doutrina de que o partido é a vanguarda da classe e de que a autoatividade das massas não é mais que desordem e anarquia.  É nesse momento que, possivelmente, o movimento da classe operária adquira uma força suficiente para expulsar o partido. Porém, também é possível que o partido, aliado aos elementos burgueses, afaste os trabalhadores. De qualquer forma, tanto em um caso como em outro, o partido se revela um obstáculo para a revolução. Isto por se considerar algo mais que um órgão de propaganda e clarificação, pois atribui a si mesmo o papel específico de dirigir e governar.

As massas podem se adequar à doutrina do partido de esquerda e ceder a direção do processo social, seguindo os slogans que vem de cima, e retomam o caminho do trabalho, persuadidas (como na Alemanha, em 1918) de que o novo governo realizará o socialismo ou o comunismo. Imediatamente a burguesia mobiliza suas forças, cujas raízes de classe não foram totalmente extirpadas: seu crescimento financeiro, seu enorme poder espiritual, sua hegemonia econômica nas fábricas e nas grandes empresas. O partido governante, demasiado débil para fazer frente a esta ofensiva, não pode manter-se no poder a não ser demonstrando moderação, multiplicando as concessões e os retrocessos. Então se declara que é impossível fazer algo melhor no momento, que seria uma loucura, por parte dos operários, querer impor por coação reivindicações utópicas. E, deste modo, o partido, privado da força de uma classe revolucionária de massas, se transforma em agente de conservação do poder burguês.

Afirmamos anteriormente que, do ponto de vista da revolução proletária, um “partido revolucionário” é uma contradição em termos. Poderia ter sido dito de outra maneira: na expressão “partido revolucionário”, o termo revolucionário significa forçosamente revolução burguesa. Efetivamente, toda vez que as massas derrubam um governo e logo confiam o poder a um novo partido, nos encontramos diante de uma revolução burguesa, que substitui uma classe dominante por uma nova classe dominante. Foi assim em Paris, quando em 1830 a burguesia financeira substituiu os proprietários rurais, quando em 1848 a burguesia industrial substituiu a burguesia financeira, enquanto que em 1870, a burguesia em sua totalidade, tanto a grande quanto a pequena, assumiu o poder. Assim, da mesma forma, foi o que ocorreu durante a revolução russa, quando a burocracia do partido usurpou o poder como classe dominante. Porém, tanto na Europa ocidental quanto nos Estados Unidos, a burguesia é muito mais poderosa e está fortemente ancorada com demasiada solidez nas fábricas e nos bairros para que uma burocracia partidária possa expulsá-la. O único meio de vencê-la consiste, agora e sempre, em fazer uma chamada às massas, para que essas tomem em suas mãos as fábricas e assim construam sua organização de conselhos. No entanto, neste caso, verifica-se, novamente, que a força real reside nas massas que aniquilam a dominação do capital, na medida em que sua própria ação se estende e se faz mais profunda.


Aqueles que sonham com um “partido revolucionário” não aprenderam mais que metade das lições da história. Não ignorando que os partidos operários, o Partido Socialista e o Partido Comunista, se converteram em órgãos de dominação que servem para perpetuar a exploração, somente chegam a esta conclusão: é preciso fazer melhor! Isso significa fechar os olhos sobre o fato de que o fracasso dos diversos partidos é devido a uma causa muito mais geral, a saber: a contradição fundamental existente entre a autoemancipação da classe em sua totalidade e por suas próprias forças e a apropriação da revolução por um simpático novo regime conciliador. Tais partidos, diante da passividade e indiferença das massas, se consideram uma vanguarda revolucionária. Porém, se as massas permanecem inativas, é que não chegam a discernir o caminho do combate, da unidade de classe e sentem instintivamente o poder colossal do inimigo e a gigantesca amplitude da tarefa a realizar. Contudo, quando as circunstâncias as forçam a agir, então essa tarefa se coloca: realizar a auto-organização, a apropriação dos meios de produção e o ataque ao poder econômico do capital. E, mais uma vez, ficará explícito que toda a vanguarda que pretende, conforme seu programa, dirigir e controlar as massas, por meio de um “partido revolucionário”, não é mais que um elemento reacionário, justamente por esta concepção.
Tradução: Nildo Viana
Publicado originalmente em:
PANNEKOEK, Anton. Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Rio de Janeiro: Rizoma, 2011.

Leia também:
VIANA, Nildo. Pannekoek: Das Organizações Burocráticas à Auto-Organização:

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Paul Mattick: Dictadura de los Intelectuales



Texto, em espanhol, de Paul Mattick, abordando a questão dos intelectuais e debatendo com Max Nomad, pesquisador de Makhaisky.


MATTICK, Paul. Dictadura de los Intelectuales? In: Rebeldes y Renegados. La Funcion de los Intelectuales y la Crisis del Movimiento Obrero. Barcelona: Icaria, 1978.

Mais textos de Paul Mattick: Comunismo de conselhos.

domingo, 6 de setembro de 2015

ANT: embrião das uniões e conselhos operários no Brasil

A ANT - Associação Nacional dos Trabalhadores, de tendência autogestionária, acaba de ser fundada no Brasil. A ANT se coloca como não sendo um sindicato, partido ou organização burocrática, não sendo uma entidade supostamente "representativa" dos trabalhadores. Ela se coloca como sendo a auto-organização dos trabalhadores revolucionários e autogestionários que busca expressar os interesses do proletariado revolucionário e avançar na luta pela hegemonia proletária.

Veja mais em: http://ant-luta.blogspot.com.br/

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A Prática como Critério da Verdade? Marx contra o praticismo




A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DA VERDADE?

Nildo Viana

É bastante comum se ouvir a repetição da frase segundo a qual “a prática é o critério da verdade”. Essa frase é atribuída à concepção marxista, mas, no fundo, é leninista. Vários autores já mostraram o antagonismo entre o pensamento de Marx e o de Lênin (Berger, Pannekoek, Korsch, Guérin, etc.), e não cabe retornar a esse assunto aqui. Essa popularização desse equívoco pseudomarxista se deve ao leninismo e à deformação que este faz do marxismo. Lênin e Stálin são aqueles que os pseudomarxistas vão retomar para justificar tal afirmação.

Existe algo em Marx que dê margem para esse tipo de interpretação? Nas Teses sobre Feuerbach existem afirmações que, através de uma má interpretação, podem ser utilizadas para justificar a existência dessa ideia exótica no pensamento de Marx. Uma frase descontextualizada pode servir para esse tipo de interpretação equivocada:
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da práxis – é uma questão puramente escolástica (MARX, 1991, p. 12).
Uma interpretação apressada e descontextualizada colocaria que tal afirmação significa que a prática é o critério da verdade. Mas uma leitura atenta e contextualizada ajuda a superar essa interpretação reducionista e simplista. O que Marx está colocando é que a questão da verdade é uma questão “prática” e que só se pode demonstrar que um determinado pensamento é verdadeiro na práxis e que fora disso se cai na escolástica. O que isso significa realmente? Para entender o que Marx quer dizer é necessário compreender o que significa, nesse contexto, prática. Mas antes disso é possível entender que aqui Marx está abordando a questão da “prova” da verdade. Essa questão da prova recebe, tradicionalmente, duas respostas, a filosófica e a científica. A prova de uma determinada tese (o que significa provar sua verdade, no final das contas) é racional (filosofia) ou empírica (ciência), ou seja, são duas formas de saber que usam distintos processos de comprovação (VIANA, 2000). Marx recusa a concepção filosófica e portanto não considera que a mera “prova racional” seja suficiente. Isso é facilmente perceptível em toda sua polêmica com a filosofia idealista (Hegel) e os neohegelianos (expressa em suas obras A Sagrada Família; A Ideologia Alemã, etc.). No entanto, nesse texto, ele está criticando uma concepção que se considera “materialista”, a de Feuerbach. Feuerbach era materialista, mas não empiricista. Por conseguinte, é somente a contextualização discursiva (o conjunto das Teses Sobre Feuerbach e do pensamento de Marx) que podemos entender o real significado desta afirmação. Aqui fica claro que Marx contesta tanto a comprovação meramente racional quanto meramente empírica.

A pergunta que fica é: qual é a posição de Marx sobre a questão da verdade e sua comprovação? Não se trata de prova racional e nem de prova empírica. Também não se trata de um “critério” e nem é algo que remete apenas a prática política (partidária, tal como é geralmente compreendida pelos pseudomarxistas). No plano da abordagem dialética, trata-se de fundamentação do saber produzido, da teoria. Essa fundamentação se dá no que Marx denominou “prática”, cujo significado é preciso esclarecer, pois é algo bem distinto do que os pseudomarxistas afirmam. A discussão de Marx remete ao pensamento de Feuerbach e é nesse contexto que ela fica compreensível e é por isso que a palavra “prática” desaparece nos demais escritos de Marx. Na primeira tese Marx afirma:
O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluindo o de Feuerbach) consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como práxis, não subjetivamente. Eis porque, em oposição ao materialismo, o aspecto ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis – realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em A Essência do Cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto que a práxis só é apreciada e fixada em sua forma fenomênica judaica e suja. Eis porque não compreende a importância da atividade “revolucionária”, “prático-crítica” (MARX, 1991, p. 12).
Aqui Marx questiona o materialismo feuerbachiano, pois este concebe a realidade como algo estático (objeto) e não como “atividade”, ou seja, em sua historicidade e seu caráter ativo (o que significa, também, consciente, sensível). Essa oposição estático/histórico (que inclusive é a raiz do que Marx chamou concepção materialista da história, posteriormente conhecido como materialismo histórico em oposição ao materialismo mecanicista e o feuerbachiano, abstrato) no que se refere à concepção de realidade (duas teorias distintas sobre o que é o real) se desdobra em duas formas de conceber o papel da teoria. A concepção feuerbachiana é contemplativa (“considera apenas o comportamento teórico como autenticamente humano”) e de Marx é revolucionária (“a importância da atividade revolucionária”, “prático-crítica”). Isso é perceptível também na quarta tese, na qual afirma que Feuerbach busca dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno mas não resolve a questão do primeiro se fixar nas nuvens, como um reino autônomo, o que só pode ser explicado pelo fundamento terreno. O exemplo de Marx é esclarecedor: “uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser teórica e praticamente aniquilada”. Aqui o que ocorre é uma digressão de Marx sobre a abordagem de Feuerbach de um fenômeno social específico, a religião, e sua crítica, pois na abordagem deste se observa o avanço em compreender que o fundamento do mundo religioso é o mundo terreno, mas também é perceptível o limite na análise deste último.

Portanto, a concepção de Marx aponta para a crítica do idealismo e também do materialismo feuerbachiano. Feuerbach não compreende o fundamento terreno do mundo religioso, não percebe sua contradição. Para Marx, tal fundamento deve “ser compreendido em sua contradição” e também “revolucionado praticamente”. Aqui voltamos ao significado do termo “prática”. A compreensão limitada desse termo é outro problema no interior do marxismo, inclusive devido à deformação pseudomarxista. “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis” (MARX, 1991, p. 14). Toda a vida social é prática, o que significa que esse termo não se reduz a um tipo de atividade específica, como querem os pseudomarxistas. Aqui temos uma oposição, o prático, o real, por um lado, e o mundo das ideias, por outro, mas este também é “prático”, não só porque emerge daquele, afinal até a sensibilidade é uma atividade prática, humano-sensível, como coloca na quinta tese.

Nesse sentido, toda a discussão de Marx nesse texto é para colocar a distinção entre relações sociais concretas, percebidas em suas historicidade e totalidade, que aparece através do termo “prática”, e o mundo das ideias, tal como a religião, que é parte do todo composto por tais relações sociais. A questão é que a fundamentação de uma determinada concepção não pode ocorrer através do mundo das ideias e sim do mundo real, concreto, “prático”. Portanto, não é o discurso ou as representações (tal como a religião ou o materialismo contemplativo de Feuerbach) que podem fundamentar uma tese e sua veracidade e sim a análise das relações sociais reais, concretas. Isso revela duas concepções de realidade, a do materialismo histórico e a do materialismo intuitivo de Feuerbach.

Não é uma concepção empobrecida de “prática” que seria um suposto “critério de verdade”. Em Marx, nesse contexto, o real é “prático”, ou seja, atividade realmente existente, que é consciente/sensível, isto é, práxis. A concepção pseudomarxista, especialmente a leninista e seus derivados, reduz a “prática” a algo individual (a prática do indivíduo), retomando Feuerbach mas afirma isso citando Marx. O próprio Marx criticou essa concepção feuerbachiana: “Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais” (MARX, 1991, p. 14), “por isso Feuerbach não vê que o próprio ‘sentimento religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato por ele analisado pertence a uma forma determinada de sociedade” (MARX, 1991, p. 14-45).

A síntese de Marx resolve toda essa questão ao retomar a necessidade de ir além da concepção individualista e da sociedade civil burguesa e compreender a totalidade: “o ponto de vista do velho materialismo é a sociedade civil; o ponto de vista do novo é a sociedade humana ou a humanidade social” (MARX, 1991, p. 14). Assim, numa concepção materialista histórica, nenhuma prática individual, especializada ou localizada[1] pode se arvorar no direito de ser “critério da verdade”, pois a verdade é descoberta na totalidade e é nesta onde há sua fundamentação[2]. Obviamente que isso remete a outras questões, como interesses e classes sociais, que retomaremos adiante.

Logo, retomando a frase inicial de Marx, o significado dela é que a “demonstração” da verdade é algo histórico, que se realiza na vida prática e não no mundo do pensamento. A atividade teórica descobre a verdade ao partir da realidade, do concreto, que é uma totalidade que possui historicidade. O caráter real e “terreno do seu pensamento” é demonstrado na análise da vida social em seu conjunto. O papel da teoria é a superação desse mundo: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX, 1991, p. 14). Outra interpretação que deforma o que Marx quis dizer é visível quando se considera que isso significa uma recusa da interpretação do mundo. A afirmação é sobre a filosofia, que se limitou, ou seja, se impôs um limite, que é interpretar o mundo (sob várias formas, já que são várias filosofias). O que importa, no entanto, é a sua transformação. Por conseguinte, não é suficiente interpretar o mundo, mas é parte do processo, só não se pode limitar a isso. Não há nenhuma recusa da teoria em Marx, ideia absurda e produto de uma interpretação descontextualizada. O que Marx expõe é uma crítica ao materialismo contemplativo. Este mundo deve “tanto ser compreendido em sua contradição, como revolucionado praticamente”, e ao descobrir a verdade de determinado fenômeno social, ele deve ser superado teórica e praticamente.

Quando Marx coloca na quarta tese que “uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família”, o que significa que no início do processo há a descoberta, ou seja, um ato de consciência, que a verdade da sagrada família se encontra na família terrestre, então é essa que deve ser “teórica e praticamente” superada, ou seja, recusada tanto no plano da teoria quando do real[3], deixando de existir da forma como existe. Marx, por exemplo, fez a crítica do capitalismo, mas não sua superação concreta, real, “prática”. Da mesma forma, ele fez a crítica da filosofia (e de diversas concepções específicas, como da economia política de Malthus, Proudhon, Hegel, etc.), superando teoricamente essas ideologias, mas não praticamente, ou seja, não no plano real, pois ainda existem malthusianos, proudhonianos, hegelianos, etc.

Essa superação real (“prática”) não pode ocorrer sem a superação teórica, pois ela pressupõe a consciência, ou seja, é práxis revolucionária, que significa atividade teleológica consciente cujo objetivo é a revolução. Não se trata de apenas “prática” ou apenas “teoria”, pois na práxis revolucionária ambas existem juntas, pois ela é atividade orientada por uma finalidade (teleológica, que, no caso, é a revolução) consciente (teoria). Marx explicita isso na terceira tese: “a coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio, só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária”.

A teoria é, ela mesma, práxis revolucionária, pois é uma atividade, mental em sua constituição, mas prática quando se torna “força material”, ou seja, quando é comunicada, atuando sobre o mundo. Claro que nem toda a “teoria” (em sentido amplo, pois no sentido marxista, ela é revolucionária por essência), pois a finalidade (a revolução) precisa estar presente, bem como a autorreflexão (consciente). A teoria pode superar as ideologias no plano intelectual e contribuir com sua superação real (“prática”) ao existir, ser comunicada, e, principalmente quando se torna força material, ou seja, influente sobre as ações concretas dos indivíduos. A teoria se torna força material, por sua vez, quando expressa necessidades e interesses reais (MARX, 1968). A teoria revolucionária se torna força material quando é comunicada, quando sua circulação é maior, quando mais indivíduos a produzem/divulgam/concretizam. Como já dizia Korsch (1977), as ideias fazem parte da realidade e atuam sobre ela[4]. Mas, as ideias dominantes são as da classe dominante e, por conseguinte, a sua eficácia é relativa em momentos não-revolucionários, mas se torna maior com a ascensão das lutas proletárias e nos momentos revolucionários, pois as necessidades e interesses de classe ficam mais claros e presentes, bem como o antagonismo entre as classes, e as meras reivindicações imediatas passam a ser acompanhadas da efervescência revolucionária. A existência de ideias revolucionárias, no entanto, pressupõe a existência de uma classe revolucionária (MARX e ENGELS, 1991). As ideias revolucionárias, mesmo marginalizadas, atuam sobre a realidade e contribui na luta pela superação do “estado de coisas existente”.

A partir disto podemos concluir que a afirmação de que a prática é o critério da verdade é algo que não tem, pelo menos no sentido reducionista atribuído ao termo “prática”, nenhum fundamento no pensamento de Marx. Essa afirmação tem mais elementos em Engels e principalmente em Lênin e Stálin para se justificar, mas é uma concepção não-marxista e não-dialética, na qual há uma incompreensão tanto do real quanto da teoria. Os praticistas apenas se iludem com práticas especializadas ou localizadas que não trazem em si a percepção da totalidade, elemento fundamental para a práxis revolucionária.

Outro elemento relacionado a esse discurso é que ao colocar a “prática” como critério da verdade, ele desloca para outro lugar a questão das condições de possibilidade de uma consciência correta da realidade. Assim, muitos querem eleger uma suposta “prática” como critério de verdade, compreendendo esse termo de forma individualista. Isso reproduz o que Marx já criticava em Feuerbach e sua crítica da religião, pois ele abstrai o “curso da história” e fixa “o sentimento religioso como algo para-si”, além de “pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado” (MARX, 1991, p. 13). Essa concepção de “prática individual” que seria o critério da verdade (e do caráter revolucionário de um indivíduo, segundo os leninistas e semelhantes) é burguesa, pseudomarxista.

Na teoria de Marx, a verdade é a expressão da realidade e é, portanto, nessa última que podemos chegar a qualquer conclusão ao seu respeito. Por conseguinte, é na realidade concreta, histórica, que se encontra a fundamentação (“comprovação” ou “critérios”) da verdade. Nesse sentido, Marx se opõe tanto ao idealismo e autonomização das ideias, quanto ao materialismo intuitivo, que substitui a totalidade pelo indivíduo abstrato. Uma coisa é a fundamentação da verdade, que se dá na realidade (“prática”), outra coisa é a capacidade ou condições de possibilidade de se chegar até a verdade. Nesse aspecto, Marx coloca que é a perspectiva do proletariado que permite o acesso à verdade (MARX, 1988; MARX, 1968). Por conseguinte, aqueles que afirmam serem os portadores da verdade revolucionária devido sua prática supostamente revolucionária (partidária, sindical, em manifestações, entre outras formas possíveis, ou seja, práticas especializadas ou localizadas) nada têm de marxista e apenas realizam uma autojustificação de sua prática[5].

A perspectiva do proletariado, no entanto, não é a da classe operária “empírica”, a que pode ser acessada pelas pesquisas de opinião pública ou a que se convive com ela em certas fábricas ou lugares. Segundo Marx, “não se trata de saber que objetivo este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro, tem momentaneamente. Trata-se de saber o que é o proletariado e o que ele será historicamente obrigado a fazer de acordo com este ser” (MARX, 1979, p. 55). Ou seja, é o ser-de-classe do proletariado, especialmente seu vir-a-ser, sua potencialidade revolucionária, que interessa para a práxis revolucionária. Não se trata de se juntar ao proletariado como classe determinada (em-si) e sim como classe autodeterminada, revolucionária (para-si) e colaborar na concretização dessa última, o que significa agir contra o proletariado como classe determinada (MARX, 1985; VIANA, 2012).

A teoria revolucionária, ao contrário da ideologia, também realiza o mesmo processo: a condição de possibilidade da consciência correta da realidade, da verdade, só é possível partindo da perspectiva do proletariado como classe autodeterminada, revolucionária. Obviamente que em momentos não-revolucionários, isso significa um afastamento entre indivíduos revolucionários (proletários ou não) e a grande maioria da classe proletária (determinada pelo capital, submetido à hegemonia burguesa), mas faz parte de sua luta ampliar o número de proletários revolucionários, o desenvolvimento da consciência, auto-organização, teoria, a crítica das ideias e ideologias dominantes, etc. Qualquer indivíduo ou intelectual que fica no âmbito da classe proletária determinada pelo capital, apenas reproduz a sociedade burguesa e ao invés de fortalecer a tendência de superação do capitalismo, realiza o reforço da tendência de sua reprodução. E nesse caso tanto faz se ele se autonomeie como “marxista”, “anarquista”, “revolucionário”, “prático”, etc.

Logo, trata-se da perspectiva do proletariado revolucionário, ou seja, que nega o capital e a si mesmo. O marxismo nada tem a ver com o obreirismo. Os revolucionários e intelectuais engajados partem da perspectiva do proletariado não quando estão distribuindo panfletos em portas de fábricas (uma imagem muito comum para os leninistas), nem quando estão em manifestações e, muito menos, quando estão em ações burocráticas de partidos e sindicatos. A práxis revolucionária se manifesta em todos os lugares, inclusive na atividade intelectual[6].

Obviamente que partir da perspectiva do proletariado (revolucionário) significa expressar um conjunto de interesses, valores, concepções, que apontam para a necessidade da revolução social e da emancipação humana. Da mesma forma, para aqueles que partem da perspectiva de outras classes, portadoras de outros interesses, valores, etc., ocorre o processo contrário. A verdade é algo bem distante do seu pensamento e ao promoverem o reducionismo dela a uma suposta “prática” (geralmente individualista) apenas mostra que sua prática concreta aponta para a reprodução da sociedade burguesa e do proletariado como classe determinada pelo capital. O praticismo é a ação contrarrevolucionária que se afirma revolucionária e expressa o vanguardismo ou o reboquismo, duas faces da mesma moeda, pois ambas colaboram com o processo de dificultar a passagem do proletariado de classe determinada para classe autodeterminada. O vanguardismo (dirigismo burocrático) e o reboquismo (ativismo obreirista) são complementares e não é atoa que os defensores dessas posições supostamente antagônicas se unem nas ações concretas e como entre os últimos se revelam tanto oportunistas que logo estarão do outro lado quanto ingênuos que servem de bucha de canhão para os vanguardistas e oportunistas.

A luta pela autogestão social é uma luta prática, real, e ocorre no plano da cultura, da teoria, das representações, dos sentimentos, dos valores, bem como nos embates e processos de luta no conjunto das relações sociais, tais como greves, manifestações, lutas cotidianas em locais de moradia, trabalho e estudo, mas, em qualquer uma dessas formas, só ganha sentido revolucionário ao estar coerente e ligado estrategicamente ao objetivo final, não deixando de lado sua “relação com a totalidade” (LUKÁCS, 1989). A crítica da deformação do pensamento de Marx e do marxismo, incluindo esse empobrecimento repetido milhares de vezes sobre uma suposta “prática”, individual ou abstrata, que seria o “critério da verdade” é parte dessa luta cultural que possui sentido revolucionário.

Referências

KORSCH, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto: Afrontamento, 1977.

LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. Porto: Publicações Escorpião, 1989.

MARX, Karl e Engels, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Hucitec, 1991.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.

MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª Edição, São Paulo: Global, 1985.

MARX, Karl. Crítica de la Filosofia del Derecho de Hegel. Buenos Aires, Ediciones Nuevas, 1968.

MARX, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª Edição, São Paulo: Nova Cultural, 1988a.

MARX, Karl. Proudhon. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Sagrada Família. Lisboa: Presença, 1979.

MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Hucitec, 1991.

VIANA, Nildo. A Filosofia e Sua Sombra. Goiânia: Edições Germinal, 2000.

VIANA, Nildo. A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx. Florianópolis: Bookess, 2012.






[1] Seja partidária, sindical ou qualquer outra. Os ativistas da pseudoesquerda se julgam portadores da verdade por causa de seu praticismo. Entendem que a prática individual é o critério da verdade, nessa concepção reducionista, e consideram que basta atuar em algo (“prático”, no sentido que eles dão ao termo, ou seja, na prática partidária, sindical ou “junto com os trabalhadores”) para se considerararem “revolucionários”. Alguns praticistas, sem ligações com organizações burocráticas (partidos, sindicatos), podem ser honestos e bem intencionados, mas influenciados por ideologias ou concepções problemáticas ou mal interpretadas (tal como na interpretação deformada da concepção de Marx), acabam reproduzindo os equívocos “práticos” e “representacionais” dos pseudomarxistas.

[2] “[...] o critério da verdade reside no encontro com a realidade” (LUKÁCS, 1989, p. 225).

[3] A superação teórica significa que determinada concepção é refutada, mas que persiste, pois para sua superação real é necessário um ato coletivo e total para sua concretização, ou seja, a revolução social. A superação teórica é também “prática” (real), mas que não é generalizada e essa generalização só se concretiza com a transformação do conjunto das relações sociais, ou seja, com uma revolução social (total), promovendo sua superação real. Por conseguinte, a superação teórica é uma superação real (“prática”) parcial, que só se torna total com a revolução social, sua generalização e concretização. Assim, a ideologia liberal (bem como milhares de outras) já foi superada teoricamente, mas é preciso que tal superação seja generalizada, o que significa a abolição da mentalidade e hegemonia burguesas, para ser a superação real, total, o que só ocorre com a transformação radical do conjunto das relações sociais.

[4] “O critério da adequação do pensamento é a realidade, com certeza. Mas essa realidade não é, devém, não sem que o pensamento contribua para isso” (LUKÁCS, 1989, p. 226).

[5] Os praticistas da pseudoesquerda apenas tentam justificar e legitimar sua prática burocrática (sindical ou partidária) através desse discurso ideológico e pseudomarxista, fundamentando-se numa concepção metafísica, pré-marxista. Outros praticistas o fazem por influência de ideologias e concepções, bem como por doutrinas e até mesmo teorias mal digeridas, apesar de sua possível honestidade pessoal. Apesar das diferenças, ambos são equivocados e acabam beneficiando a reprodução da sociedade burguesa e do burocratismo (incluindo o da pseudoesquerda e por isso não é difícil ver alguns praticistas honestos – embora nem todos nesse caso sejam honestos – se aliar com os praticistas da pseudoesquerda, pois ambos, uns por seu vanguardismo que quer manter as massas em seu estado de não autonomia seguindo eles, outros por evitar o vanguardismo e não querer intervir, caindo no reboquismo, achando que a classe por si só se liberta e basta ficar ao seu lado na “prática”, para agir revolucionariamente). Eles realizam a “prática” de não colaborar com o avanço da luta proletária num sentido revolucionário e por isso são tão conservadores quanto os pseudomarxistas. Claro que, nesse grupo de praticistas não-burocráticos, existem os oportunistas, que, com esse discurso, podem fazer todo tipo de aliança (com os modismos ideológicos, ideologias conservadores, pseudoesquerda, grupos acadêmicos conservadores, etc.) e apesar de sua visível posição ambígua e moderada, passam por esquerdistas devido sua “prática”, apenas participando ou apoiando mobilizações sociais (alguns fazem isso ao mesmo tempo em que no seu lugar de trabalho reproduzem as concepções burguesas e burocráticas). Tem também aqueles movidos por uma fé irracional e por isso acreditam no praticismo como algo “revolucionário”, aproximando-se de uma concepção semirreligiosa e cega, onde basta seguir os rituais da prática para considerar que faz algo relevante para a transformação social. Claro que em alguns casos, isso tem a ver com a preguiça mental de certos militantes, que não se dispõem a fazer leituras e análises mais profundas, o que é bem pouco revolucionário, já que se posicionam e querem se opor à outras concepções (sem conhecê-las) e pessoas, sem nenhum fundamento. Pensam que um processo revolucionário e tarefa imensa e complexa de colaborar na constituição de uma nova sociedade pode ocorrer com base em praticismo e sem fornecer uma colaboração intelectual através duma submersão acrítica junto aos “trabalhadores”, portando apenas seus dogmas e leituras superficiais.

[6] Tanto essa interpretação de Marx é verdadeira que é possível fundamentá-la na realidade, usando não apenas os seus escritos, mas também por sua biografia e determinadas afirmações, tal como aquela na qual disse que contribuiria mais com a revolução na biblioteca de Londres (escrevendo O Capital) do que em outro lugar.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Marx Segundo Korsch - Paul Mattick


Marx segundo Korsch
Resenha do livro “Karl Marx”, de Karl Korsch*
Paul Mattick


Com marcante distinção a respeito de muitas outras interpretações de Marx, este livro se concentra nos fundamentos essenciais da teoria e prática marxistas. O autor reafirma “os princípios e conteúdos mais importantes da ciência social de Marx à luz dos acontecimentos históricos recentes e das novas necessidades teóricas que têm surgido pelo impacto destes acontecimentos”. O livro não foi publicado para agradar ao curioso, nem corresponde ao interesse de nenhum grupo particular. Apesar de sua densidade e objetividade, é uma ferramenta teórica útil para as aspirações da classe proletária; ao resenhá-lo, não podemos fazer nada melhor que indicar, embora inadequadamente, sua riqueza e seu valor.

O livro se divide em três partes: Sociedade, Economia Política e História. O marxismo é declarado “a genuína ciência social do nosso tempo” e sua superioridade em relação à ciência pseudossocial da burguesia é demonstrada ao longo do livro.

Captar o princípio da especificidade histórica em Marx é da maior importância para a compreensão do fenômeno social. Marx usa os conceitos econômicos, sociais e ideológicos “apenas quando necessário para seu tema principal, ou seja, o caráter específico assumido por eles na moderna sociedade burguesa”. As chamadas “ideias gerais” sempre tem que ter um elemento histórico específico. Por exemplo, o falso conceito idealista da evolução tal como é aplicado pelos teóricos sociais burgueses

está     fechado por ambos os lados, e em todas as formas passadas da sociedade apenas se redescobre a si mesmo. O princípio marxista do desenvolvimento é, inversamente, aberto por ambos os lados. Marx define a nova sociedade comunista que surge da revolução proletária não apenas como uma forma mais desenvolvida do que a sociedade burguesa, mas como um novo tipo que não pode ser explicado por meio de nenhuma das categorias burguesas.

É necessário, especialmente hoje, reafirmar esta posição marxista, deixando claro, ao considerar a literatura recente sobre socialismo, que simplesmente imagina a sociedade socialista como uma forma modificada de capitalismo e, usando diferentes nomes, transfere todas as categorias capitalistas à “nova” sociedade.

O princípio da especificidade histórica, tal como utilizado por Marx, não exclui um grau necessário de generalização. Contudo, leva a um novo tipo de generalização. Com Marx,

o “geral” do conceito já não se coloca confrontado à realidade concreta como em outro reino, senão com todo o geral, incluso em sua forma conceitual, permanecendo necessariamente como um aspecto específico ou uma parte mentalmente fragmentada do concreto histórico da existente sociedade burguesa.

A atual tagarelice popular sobre a “metafísica do materialismo dialético”, embora não seja tratado por Korsch, é não obstante contestado por ele quando assinala que

se Marx, de fato, partiu de uma inversão crítica e revolucionária dos princípios inerentes ao método de Hegel, certamente continuou desenvolvendo, de uma maneira estritamente empírica, os métodos específicos de sua própria crítica e investigação materialistas.

O entusiasmo dos últimos dos críticos do “senso comum” é o que tem menos justificação, enquanto que a teoria marxista,

trata todas as ideias como estando conectadas com uma época histórica definida e com uma forma de sociedade específica que pertence a tal época, se reconhece a si mesma como nada mais do que um produto histórico, como qualquer outra teoria que pertence a uma fase definida do desenvolvimento social e a uma classe social definida.

A segunda parte do livro aponta de início que “a Economia Política, que trata da fundamentação material do Estado burguês existente, é, para o proletariado, o primeiro e mais destacado inimigo”. O autor descreve a história do pensamento econômico burguês de modo bastante conciso e mostra porque qualquer “desenvolvimento genuíno da Economia Política foi excluído pelo desenvolvimento histórico real da sociedade burguesa”. A crítica de Marx à Economia Política não era, como se assume frequentemente, um desenvolvimento superior da ciência econômica burguesa, mas a teoria de uma revolução iminente. As diferenças entre os conceitos econômicos clássicos e os marxistas são demonstradas da maneira bastante esclarecedora e mostra que os avanços marxistas

da teoria econômica clássica são importantes, não por seu puro avanço formal sobre o conceito clássico, mas por sua transferência clara e decidida do pensamento econômico do campo da troca de mercadorias e das concepções legais e morais do bem e do mal que dela se originam, ao campo da produção material tomado em sua plena significação.

Pensamos que os melhores capítulos do livro são aqueles dedicados ao fetichismo das mercadorias e a Lei do valor. O autor mostra novamente que: “as ideias e princípios mais gerais da Economia Política são meros fetiches que mascaram as relações sociais efetivas, prevalecentes entre os indivíduos e as classes dentro de uma época histórica definida da formação socioeconômica”, e indica ademais que a exposição teórica do caráter fetichista das mercadorias é “não somente o núcleo da crítica da economia política marxista, mas ao mesmo tempo a quintessência de sua teoria econômica do capital e a definição mais explícita e mais exata do ponto de partida teórico e histórico de toda a ciência materialista da sociedade”. Esses capítulos estão condensados com tal destreza, sem com isso perder clareza, que fazem inútil qualquer intenção de reiteração. Os pensamentos não podem expressar-se em uma linguagem mais precisa e efetiva e unicamente podemos nos limitar a dizer que o autor vê a tarefa do proletariado revolucionário como “a destruição final do fetichismo mercantil capitalista mediante uma organização social direta do trabalho”. A importância da atual organização social do trabalho, que é ocultada sob as relações de valor manifestas nas mercadorias, é demonstrada fazendo referência às atuais intenções ilusórias de “planificação” capitalista, que só pode perturbar ainda mais a “ordem” que é peculiar ao capitalismo e foi produzido pelas necessidades cegas da fetichista lei do valor.

Outro capítulo expõe as más interpretações comuns da doutrina marxista do valor e do mais-valor, e é muito oportuna devido aos novos ataques lançados pelo “liberalismo” em torno ao caráter “acientífico” da teoria econômica marxista. Pois se argumenta, uma e outra vez, que a teoria do valor de Marx deve estar equivocada dado que aborda o problema exclusivamente do lado da oferta e é, por conseguinte, incapaz de abordar o problema dos preços reais. Contudo, Korsch afirma que

Nunca foi a intenção de Marx derivar da ideia geral do valor, tal como foi exposta no primeiro volume de O Capital, por meio de determinações cada vez mais estreitas até uma determinação direta do preço das mercadorias. A importância particular da lei do valor dentro da teoria de Marx não tem nada a ver com uma fixação direta dos preços das mercadorias por seu valor.

As diversas exposições dos economistas burgueses, tentando provar discrepâncias entre a lei do valor e das constelações efetivas dos preços, discrepâncias devidas, segundo creem, à “unilateralidade” do conceito de valor de Marx, estão inteiramente fora do lugar. E é bastante divertido notar que a aplicação de Marx da lei do valor à força de trabalho é rechaçada com o argumento da flexibilidade dos salários, um argumento que só demonstra que esses economistas burgueses desconhecem a posição de seu oponente. De acordo com Marx: “não há nenhuma relação econômica ou racionalmente determinável entre o valor e as novas mercadorias produzidas pelo uso da capacidade viva do trabalho na fábrica e os preços pagos por este trabalho a quem a vendem”.

 A última parte do livro trata da concepção materialista da história. Embora tenha uma origem filosófica, Korsch aponta que a ciência materialista de Marx, “sendo uma investigação estritamente empírica de formas históricas e definidas de sociedade, não necessita um suporte filosófico”. Descrevendo o desenvolvimento científico de Marx, mostra que “já em 1843, se tornara claro para Marx que a Economia Política era a chave de toda a ciência social”. No lugar do eterno desenvolvimento da “Ideia”, Marx colocou o desenvolvimento histórico real da sociedade sobre a base do desenvolvimento do modo de produção material. Em um capítulo que trata da relação entre Natureza e Sociedade, Korsch mostra que

como com todas as demais inovações incorporadas na nova teoria materialista, a extensão metódica por parte de Marx, da sociedade a expensas da natureza, é demonstrada principalmente sobre o campo da ciência econômica.

Depois de esclarecer vários conceitos marxistas, tais como a relação entre forças produtivas e relações de produção e base e superestrutura da sociedade, Korsch explica o que Marx queria dizer ao afirmar que “o verdadeiro limite histórico da produção capitalista é o próprio capital”, e que somente a revolução proletária, ao alterar as relações de produção, pode assegurar o desenvolvimento progressivo ulterior das forças sociais da produção.

Mas embora estejamos de acordo em grande medida com esta interpretação de Marx, não podemos nos abster de comentar que a sua grande clareza e coerência revolucionária ao tratar do pensamento de Marx fica atenuada no momento em que aborda os acontecimentos revolucionários mais recentes e suas características. Por exemplo, o deslocamento da ênfase entre as formulações mais iniciais e as mais tardias dos princípios materialistas por parte de Marx, do fator subjetivo da luta de classes revolucionária a seu desenvolvimento objetivo subjacente está, na interpretação de Korsch, causado porque os desenvolvimentos efetivos impõem uma mudança de atitude. “De maneira similar”, diz, “o marxista revolucionário Lênin confrontou-se com as tendências revolucionárias ativistas dos comunistas de esquerda de 1920 que, em uma situação objetivamente alterada, aderiram às palavras de ordem da situação revolucionária direta provocada pela Grande Guerra”.

Esta defesa tardia do panfleto oportunista e bastante pueril de Lênin, O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, que foi escrito para assegurar o controle russo sobre o movimento operário internacional para o interesse específico da Rússia e seu Partido Bolchevique, não pode mudar o fato de que a “mudança de lado” de Lênin não foi o resultado de uma consideração sóbria de uma situação alterada, pois não significou nenhuma mudança real. Este panfleto de Lênin mantinha a posição que sempre teve diante da oposição revolucionária de setores do proletariado da Europa ocidental. Esta posição era a mesma que possuía também durante o tempo que, segundo Korsch, era objetivamente revolucionário. Era a posição da socialdemocracia dos tempos de pré-guerra, que Lênin nunca abandonou mentalmente, mas só organizativamente. Está entrelaçada com a posição do revolucionário burguês russo e em estrita oposição a todos os princípios revolucionários específicos da classe trabalhadora antes, durante e depois da Grande Guerra. Estava em estrita oposição, também, aos princípios marxistas, esquecidos tanto pelos socialistas como pelos bolcheviques e que, reafirmados aqui, fazem desta obra, goste ou não seu autor, uma arma contra o Lênin “marxista”.





* KORSCH, Karl. Karl Marx. Londres, London School Of Economics, 1938. Tradução de Jaciara Reis Veiga.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Crítica ao bolchevismo, Trotskismo, Prestismo, Maoísmo, etc.




A Revista Enfrentamento acaba de lançar seu número 16, Este número é dedicado à crítica de algumas ideoogias e doutrinas, como o bolchevismo, maoísmo, prestismo, sindicalismo, economia solidária.

Veja o sumário:


Abaixo trechos do editorial:

"A crítica das ideologias conforma também a luta de classes em geral. Este Enfrentamento que colocamos agora à disposição dos militantes, estudiosos e lutadores sociais em geral, pretende-se claramente ser parte destas ferramentas intelectuais. Por concebermos a luta política como totalidade, acreditamos certamente que a crítica é também luta política. Por acreditarmos que o desenvolvimento da consciência não desempenha papel secundário na luta de classes, realizamos neste número uma crítica radical das ideologias e doutrinas que atrapalham o desenvolvimento da luta de classes no Brasil. O leninismo, o trotskysmo, o maoísmo, o prestismo, o sindicalismo, o sindicalismo revolucionário e a economia solidária são sumamente criticados."

"Se a sociedade de classes, para se manter, deve fazer bom uso de meias verdades, de omissões, de manipulações e de mentiras deliberadas, a luta contra esta sociedade deve ter como fundamento primordial a busca em revelar a verdade. Não achamos que exista a verdade absoluta, pois a realidade sempre se move. Contudo, tal movimento não é demasiado fluido que impeça sua apreensão pelo pensamento. O que existe, pois, de nosso ponto de vista, é meramente a busca constante de apreensão do real e explicação de seu fundamento e dinâmica de funcionamento. A cada avanço teórico, há um enriquecimento da teoria que busca desvelar a verdade. Este é o empreendimento que esta Revista vem há quase uma década se esforçando em fazer."

Acesse: http://enfrentamento.net/

sábado, 31 de janeiro de 2015

Pannekoek: Das Organizações Burocráticas à Auto-Organização

Pannekoek: Das Organizações Burocráticas à Auto-Organização


Nildo Viana


Anton Pannekoek (1873-1960) é um dos mais importantes autores marxistas do século 20. A sua importância, teórica e prática, se revela por intermédio de mais de 50 anos de trabalho intelectual e prática política. Ele não só se formou num processo de luta como derivado dela combateu as concepções e organizações que eram obstáculos para a revolução proletária, de forma moderada no início, até a radicalização relacionada com as mudanças históricas e o próprio desenvolvimento do movimento operário, o que provocou o desdobramento teórico em seu pensamento e a parte mais importante dele.
A presente coletânea assume, assim, uma grande importância no sentido de que ajuda a resgatar o pensamento de um autor relativamente pouco conhecido e que vem ganhando um maior número de publicações mais recentemente. Sem dúvida, o que aqui publicamos são apenas alguns poucos textos e limitados ao tema da questão da organização, um elemento fundamental do seu pensamento e que por isso é importante resgatar e abrir espaço para novas publicações a seu respeito[1].
Aqui reunimos artigos variados publicados por Pannekoek referentes ao problema de partidos, sindicatos e conselhos operários, bem como alguns capítulos de sua principal obra, Os Conselhos Operários. Esta obra, em vias de publicação, é um elemento fundamental para permitir um aprofundamento do conhecimento de sua contribuição ao marxismo. Evitamos, pois, os primeiros textos de Pannekoek, que abordam a questão de partidos e sindicatos, pois sua concepção foi sendo alterada com o desenvolvimento histórico e as experiências destas organizações e do próprio autor. E também não utilizamos textos de livros, a não ser a exceção acima apresentada. O conjunto de textos sobre partidos, sindicatos e conselhos, aqui reunidos, data de sua última fase de pensamento, enquanto representante da tendência conhecida como comunismo de conselhos.
Qualquer leitor crítico de Pannekoek – e todo marxista ou libertário tem que assumir o compromisso com a criticidade[2] – deve estar atento que ele escreveu desde o início do século 20 até os anos 1950, ou seja, meio século. Isto significa que ele viveu durante épocas diferentes e isso obviamente vai ter ressonâncias em suas obras.  Outra questão é estar atento para a evolução intelectual do autor. Pannekoek produziu suas primeiras obras políticas no interior da socialdemocracia, como dissidente, mas participante desta. A sua ruptura com a socialdemocracia provocou mutações em seu pensamento. A sua oposição à socialdemocracia, quando era interna, apontava para determinados limites e influências, e, sua oposição posterior, externa, já lhe permite avançar e entender melhor o significado dos partidos socialdemocratas dessa época.
Porém, é com a sua crítica radical ao bolchevismo[3] é que sua compreensão dos partidos políticos avança e ele passa a entender melhor a socialdemocracia europeia e seu herdeiro russo. Assim, ler um texto de Pannekoek de 1905 ou 1909 e depois um de 1927, 1936 ou 1953 sem se atentar para isso, é cometer um equívoco. Inclusive o Pannekoek representante do comunismo de conselhos recusa os partidos políticos em geral, o que não fazia na época em que estava no interior da socialdemocracia e retirar da leitura de um texto dessa época a afirmação que ele acreditava no papel do partido político[4], é cometer um grave equívoco interpretativo.
Assim, a obra de Pannekoek tem um valor histórico, por expressar as lutas e dilemas do movimento operário e dos partidos, sindicatos, grupos, existentes durante um longo tempo, bem como as experiências revolucionárias do proletariado do início do século 20. Além disso, tem um valor teórico, pois, apesar de suas teses não serem tão complexas e sua teorização no que diz respeito ao processo da revolução e formação dos conselhos, possuir uma base na teoria marxista, ele acrescenta elementos importantes para ela, uma maior precisão no que diz respeito à compreensão da autoemancipação proletária, esboçada por Marx numa época não-revolucionária, apesar das iniciativas revolucionárias daquele período[5]. Assim, enquanto Marx discutia a questão da “livre associação dos produtores” e enfatizava a luta operária como meio de autolibertação do proletariado, e, mesmo quando se baseou na experiência revolucionária do proletariado parisiense durante a Comuna de Paris, não podia prever as formas de auto-organização que se desenvolveriam posteriormente, especialmente os conselhos operários, e Pannekoek, bem como outros, vivenciaram e mostraram ser esta a via da autoemancipação proletária[6].
Não é possível deixar de lado o valor político da obra de Pannekoek, pois ele avança no sentido de uma crítica radical dos partidos e sindicatos, mostrando seus vínculos com o processo de reprodução do capitalismo e, ao mesmo tempo, analisando as formas como o proletariado desenvolve sua auto-organização para a revolução social e para a organização da produção na sociedade comunista. Sem dúvida, esses aspectos estão intimamente relacionados, pois o valor histórico, teórico e político são inseparáveis (a não ser para os ideólogos, que podem, obviamente, se agarrar apenas ao aspecto histórico e desligá-lo do resto, criando mais uma ideologia). Por conseguinte, o conjunto da obra de Pannekoek precisa ser reavaliado e as obras que se dedicaram a isso tendem a aumentar e proporcionar um renovado interesse pelo seu pensamento, o que, em si, já é uma grande contribuição para o processo da luta operária.
Transformações Históricas e Evolução Intelectual de Pannekoek
É mais fácil compreender os textos aqui reunidos se compreendermos a evolução intelectual de Pannekoek. E tal evolução intelectual está intimamente ligada ao processo de transformações do capitalismo e da luta de classes desde o início do século 20. Assim, para entender Pannekoek é preciso entender as mudanças sociais que ocorreram e que ele foi um participante ativo na esfera das lutas sociais. Inclusive, não somente a evolução intelectual de Pannekoek, mas até mesmo a lógica argumentativa dele reproduz a mesma dinâmica: a crítica das organizações burocráticas é sucedida pela análise e defesa das formas de auto-organização do proletariado.
Pannekoek iniciou sua militância na socialdemocracia e ao romper com ela e seus derivados (incluindo o bolchevismo), foi um crítico dissidente e interno, mas, por isso mesmo, limitado. Ao romper no horizonte as revoluções proletárias, há uma radicalização do movimento operário e dos seus representantes teóricos e políticos, que é o que ocorre com Pannekoek. No entanto, é somente no bojo das revoluções proletárias e das contrarrevoluções burocráticas que a ruptura completa ocorreu e o verdadeiro papel de partidos e sindicatos se revelou. Assim, desde a década de 1920, Pannekoek – e não só ele, embora alguns antes dele, como Otto Rühle (1975), começa o exercício de crítica radicalizada de partidos e sindicatos, e com o desenvolvimento do capitalismo oligopolista e, principalmente do capitalismo oligopolista transnacional (que ele denomina indistintamente como “capitalismo monopolista”)[7], acaba aprofundando e negando completamente os partidos e sindicatos[8]. É nesse momento que seu pensamento está suficientemente aprofundado, apesar de algumas imprecisões posteriormente resolvidas[9], e que ele desenvolve sua análise mais pertinente do caráter dos partidos e sindicatos.
Assim, é comum distinguir alguns períodos no pensamento de Pannekoek, que seriam os seguintes: participação e crítica da socialdemocracia; participação e crítica do “socialismo radical”; adesão ao comunismo de conselhos (Bricianer, 1975). O período em que participou da socialdemocracia foi aproximadamente entre 1901 e 1913 (a ruptura com a socialdemocracia por parte de indivíduos e grupos tardou um pouco mais, geralmente após 1914 e a aprovação pelos deputados do SPD – Partido Socialdemocrata Alemão – dos créditos de guerra, em que a Alemanha entrava na Primeira Guerra Mundial). Nessa época, produziu um grande número de artigos e cartas, bem como publicou em 1909 o livro As Divergências Táticas no Movimento Operário (Pannekoek, 2007). No entanto, apesar de estar no interior da socialdemocracia, não poupava críticas a esta. Ele critica as tendências moderadas da socialdemocracia e o revisionismo de Bernstein explicando que sua origem nas mudanças do capitalismo e nas influências pequeno-burguesas no seu interior:
O socialismo busca conseguir todas as vantagens momentâneas possíveis, e, no entanto, não encontra sua finalidade a não ser na revolução futura, a derrocada do modo de produção. Por isso não descuida do mais pequeno trabalho de formiga; o trabalho cotidiano é tudo para ele, porém, ao mesmo tempo, seu objetivo final revolucionário é também tudo para ele. Ele utiliza para seu combate todas as instituições da sociedade capitalista que lhe oferecem uma possibilidade de aumentar seu poder e, no entanto, se opõe duramente a elas por questões de princípio. Se situa totalmente no terreno do que existe e, ao mesmo tempo, se mantém em um terreno completamente novo, a partir do qual recusa e critica tudo o que existe. Vive na exaltação entusiasta por seu magnífico ideal de futuro, exaltação que faz com que seus partidários sejam capazes dos atos mais abnegados, mais desinteressados, mais heroicos; e, ao mesmo tempo, pratica o realismo mais frio, que só atua sobre o terreno sólido da ciência, dos fatos e para o qual a prática é tudo. Que o socialismo reúna em um todo unitário estes traços que, segundo a representação habitual, se contradizem e se excluem, reside no fato que é um movimento natural que nasce da realidade, que é um elo, uma etapa, em um processo incessante do devir (Pannekoek, 2007, p. 198-199).
Pannekoek acrescenta que é natural para o espírito humano a tendência em ver unilateralmente a partir de uma experiência limitada. Desta forma, se cria a tendência de ver estes dois aspectos como mutuamente excludentes e opostos. Daí surge duas tendências: a revisionista, que acentua o trabalho prático de reformas e o anarquismo, que acentua o objetivo final desprezando o “trabalho de formiga”. Porém, isso não é fruto apenas de concepções equivocadas, mas também do desenvolvimento econômico insuficiente e determinadas relações políticas. Mas ambas as concepções expressam uma concepção burguesa de mundo, que é não-dialética, ao contrário da concepção proletária, que é dialética. Tanto o anarquismo como o revisionismo “são duas tendências burguesas no movimento operário, unem uma concepção burguesa de mundo a sentimentos proletários” (Pannekoek, 2007, p. 220). Seriam, mais exatamente, duas tendências pequeno-burguesas. Segundo Pannekoek, “o anarquismo é a ideologia do pequeno-burguês convertido em selvagem, o revisionismo é a do pequeno-burguês domesticado” (Pannekoek, 2007, p. 221).
Aqui Pannekoek revela uma análise correta e, ao mesmo tempo, equivocada. Sem dúvida, é excepcional sua percepção da mescla entre concepção burguesa de mundo e sentimentos proletários, o que ocorre em milhares de casos. Porém, sua forma de conceber a questão da reforma e da revolução, do imediato e do objetivo final, é problemática, já que não estabelece o vínculo necessário entre meios e fins, ou seja, o objetivo final é realmente o fundamental e o que é preciso é entender quais meios podem ser utilizados para se chegar a determinado fim, havendo unidade indissolúvel entre ambos (Viana, 2008a), o que foi ressaltado por Rosa Luxemburgo, sendo um dos elementos fundamentais de todo o seu pensamento e originado de sua crítica ao reformismo revisionista (Luxemburgo, 1986).
Outro problema nesta formulação de Pannekoek é sua crítica ao anarquismo. Sem dúvida, o reformismo não ultrapassa o nível do “trabalho prático das reformas” e por isso é uma concepção burguesa (ou burocrática) – e além disso que nada tem de “sentimento proletário”, a não ser em casos individuais – mas o anarquismo ou qualquer tendência que fique apenas no objetivo final é muito mais útil ao movimento revolucionário do que o reformismo ou seus derivados (como o bolchevismo, não abordado por Pannekoek devido o fato de ser inexpressivo nessa época). Também não é possível generalizar uma crítica ao anarquismo, que possui várias correntes com concepções distintas e muito menos pensar o anarquismo como algo unitário e que deveria ser simplesmente descartado (e os supostos “anarquistas” dentro da socialdemocracia nada possuem de anarquismo, são na verdade as tendências radicais que entram em confronto com as burocracias partidárias e as concepções dominantes no partido). Além disso, qualquer indivíduo pode se dizer anarquista sem ter nenhum aprofundamento ou compromisso real com o anarquismo, o que complica a situação. Da mesma forma, as tendências revolucionárias no anarquismo não são ligadas apenas aos objetivos, mas possuem formas de ação que colaboram com o processo revolucionário. Contudo, o que Pannekoek critica não é exatamente o anarquismo, um uso indevido para este nome, e sim as tendências que hoje seriam chamadas de “esquerdistas” no interior da socialdemocracia, e da qual o próprio Pannekoek fará parte no futuro.
Pannekoek reproduz a tradição socialdemocrata e cai no equívoco de considerar o revisionismo como ideologia pequeno-burguesa. Na época, poucos, como Makhaisky (1981) na Rússia, haviam se atentado para a burocracia e a intelectualidade como classes sociais que não tem sentido em chamar “pequeno burguesas”, um equívoco terminológico. É por isso que defenderá as lutas parlamentares e criticará o parlamentarismo exclusivo defendido pelos revisionistas. Fará o mesmo em relação aos sindicatos, mostrando duas tendências burguesas, o reformismo e o sindicalismo revolucionário, destacando seu papel de lutar por melhores condições de trabalho e questões econômicas, que é campo fértil para o revisionismo, e sua negação expressa um radicalismo que é outra concepção burguesa, o sindicalismo revolucionário que abandona o papel do sindicato e se torna outro obstáculo para o desenvolvimento das lutas proletárias (Pannekoek, 2007; Viana, 2011c)[10].
Sem dúvida, havia uma terceira tendência, com a qual Pannekoek se identificava, que era a marxista (apesar de que, na socialdemocracia da época, todos se diziam marxistas, inclusive os reformistas e “anarquistas”). Pannekoek criticava a tendência dominante da socialdemocracia, revisionista e reformista, tal como Rosa Luxemburgo fazia ao criticar o revisionismo de Bernstein (Luxemburgo, 1986). A obra As Divergências Táticas no Movimento Operário[11] revela as preocupações básicas do pensamento de Pannekoek que serão permanentes e já estavam presentes, mas num contexto social, histórico e cultural desfavorável. Porém, apesar disso é preciso deixar claro que, tal como Rosa Luxemburgo, Pannekoek não criticou apenas a ala revisionista mas também a dita “ortodoxa”, especialmente Kautsky, tal como se vê no seu debate com este sobre a questão da greve, em seu texto Ações de Massas e Revolução, publicado em 1912 (Pannekoek, 1978)[12]. Isto tudo ocorreu muito antes da chamada “cisão” da Segunda Internacional, quando as alas dissidentes dos Partidos Socialdemocratas fundaram outros partidos ou grupos e foi quando Lênin rompeu com seu mestre Kautsky, que virou, para ele, um renegado, como se já não fosse um falso marxista e revolucionário há muito tempo.
Porém, é preciso compreender o contexto social para entender a posição inicial de Pannekoek, ou seja, sua inserção na socialdemocracia e, ao mesmo tempo, sua posição dissidente interna, sem realizar uma maior radicalização. O próprio Pannekoek neste mesmo livro apresenta a chave para compreensão de sua posição inicial, ao explicar a reprodução e manutenção do revisionismo, apesar das críticas que sofreu. Nesta obra, ele coloca o caso dos militantes inexperientes que aderem à socialdemocracia:
“Nestes novos membros, se repete, pois, as condições do começo do movimento, quanto todo o partido tem que buscar, no entanto, penosamente o caminho. Contudo, ainda não pode nascer tendências diferentes somente por este fato, pois os novos membros inexperientes geralmente se deixam dirigir pela experiência mais desenvolvida, pela compreensão mais profunda, pelos conhecimentos científicos e pela marcha adiante mais segura dos camaradas mais antigos. Além disso, a comparação com os começos do movimento só é admissível parcialmente. Efetivamente, não é totalmente necessário que cada indivíduo passe sempre de novo por todas as ilusões das etapas anteriores do movimento. O resultado destas experiências e conhecimentos adquiridos penosamente se encontra à sua disposição na teoria socialista sob uma forma resumida, condensada. Meio século de movimento operário ascendente e de luta de classe entre burguesia e proletariado produziu uma grande quantidade de experiências às quais o movimento socialista atual é devedor de sua tática de luta decidida, mais segura, e sua história oferece aos novos membros e às jovens gerações uma fonte inesgotável de ensinamentos preciosos. Graças a estes últimos, a doutrina do desenvolvimento social e da luta de classe, que Marx e Engels expuseram já em 1847 no Manifesto Comunista, se converteu em saber sólido, fundamentado, das classes trabalhadoras mais amplas” (Pannekoek, 2007, p. 188).
Assim, as novas gerações não possuem as experiências das gerações anteriores e por isso devem reaprender o que já foi aprendido por outros anteriormente. Aqui Pannekoek reproduz a tese biológica da recapitulação, também conhecida como “lei biogenética”, segundo a qual a ontogênese revive a filogênese, ou seja, o indivíduo revive todas as etapas vividas pela espécie, o desenvolvimento da humanidade é reproduzido no desenvolvimento de cada ser humano. Não custa lembrar que Pannekoek publicou Marxismo e Darwinismo no mesmo ano que As Divergências Táticas no Movimento Operário. Claro que ele alerta que isso não é uma lei, já que isso é parcial e não é “totalmente necessário”.
Esta ideia, inspirada na biologia, no entanto, é rica e possui um elemento fundamental: as novas gerações de militantes (tanto da socialdemocracia quanto de qualquer outro partido, grupo ou tendência) não possuem a experiência e a leitura de todas as teorias produzidas pelas épocas precedentes. É por isso que grande parte deles aderem aos partidos de esquerda ou a concepções, tendências e grupos existentes sem conhecer a história e o debate realizado historicamente entre elas, inclusive não sabendo das superações teóricas que ocorreram, mas que não foram superações práticas. Pois a socialdemocracia, o bolchevismo, etc., já foram refutados teoricamente e, no entanto, são tendências hegemônicas devido a diversas questões, entre elas os seus aparatos burocráticos, recursos, tradição, entre outras (no caso do bolchevismo, existiu todo um bloco de países se dizendo “socialista” e reforçando esta ideologia).
Aliás, este é um dos motivos pelos quais muitos são dissidentes dentro da socialdemocracia e acabam rompendo com ela, formando outros partidos, que por sua vez, tão logo ocorre sua burocratização, geram novas dissidências e cisões. Claro que existem outras determinações nesse processo e é justamente o que Pannekoek vai expor: ritmo de desenvolvimento desigual em diferentes regiões, caráter dialético da evolução social, existência de outras classes ao lado da burguesia e do proletariado. Retirando o “caráter dialético da evolução social”, que não quer dizer nada, e acrescentando a questão das ideologias dominantes, da burocratização e das frações concorrentes da burocracia como classe social, da competição social, da sociabilidade e mentalidade burguesas, as relações afetivas criadas no interior das organizações, etc., temos um quadro explicativo abrangente.
Como dissemos, isto ajuda a explicar a própria inserção de Pannekoek na socialdemocracia. Claro que quando Pannekoek escreveu seu livro não era um militante inexperiente, já era um cientista natural reconhecido, militante de há muitos anos e autor de diversos textos e livros, além de conhecedor das obras de Marx, Engels, Dietzgen, Kautsky e inúmeros outros. Porém, em que pese sua experiência e saber teórico, isto não é suficiente em muitos casos. Existem as diversas outras determinações que aludimos acima. Porém, no caso de Pannekoek, as demais determinações que atuaram foram as concepções dominantes, o vínculo afetivo com a organização, e a crença que a socialdemocracia possuía um problema de tática, de más influências (de concepções e de classes) e desvios direitistas e esquerdistas, mas era o caminho e instrumento revolucionário do proletariado. Essa crença era dominante nos círculos socialdemocratas e em que pese o papel cada vez mais conservador destes partidos, as tendências esquerdistas, radicais e dissidentes, atraiam os mais descontentes e alimentava a esperança em sua mudança de rota no sentido de assumir papel revolucionário, o que legitimava e reforçava a adesão ao partido. Além disso, a fraseologia revolucionária, mero discurso para disfarçar seu reformismo, do pseudomarxismo ortodoxo de Kautsky e outros, ainda iludia alguns integrantes do partido, embora cada vez mais a prática e o discurso fossem assumindo ares mais conservadores. É com a burocratização crescente, reforçada pelas vitórias eleitorais, e conservadorismo também crescente que lhe acompanha, que gera novas dissidências e cisões. A data chave para isso foi 1914, quando todas as ilusões daqueles bem intencionados e que ainda carregavam essa crença numa socialdemocracia revolucionária se desfez diante do apoio à guerra e posição nacionalista dos partidos socialdemocratas.
Outro problema que fez com que Pannekoek não avançasse foi a não percepção clara de uma nova classe social oriunda do desenvolvimento capitalista: a burocracia. As críticas à socialdemocracia, desde o final do século 19, era a das influências e camadas chamadas “pequeno-burguesas”, ideia reproduzida por Pannekoek. Pannekoek, muito antes de Poulantzas (1978), já discutia a diferença entre as classes médias antigas e as novas e percebia a intelectualidade e a burocracia no interior destas últimas:
“De uma maneira diferente em relação aos vestígios das antigas classes médias independentes, as classes médias chamadas novas, os intelectuais, os funcionários, os empregados, constituem uma camada de transição entre o proletariado e a burguesia. Elas se distinguem das antigas classes médias devido um ponto essencial: não possuem meios de produção, pois vivem da venda de sua força de trabalho. Portanto, não possuem nenhum interesse em manter a produção privada, na conservação da propriedade privada dos meios de produção. Neste ponto se encontram de acordo com o proletariado. O seu olhar se dirige para o futuro e não para o passado. Trata-se de uma classe moderna que está em ascensão e que cada vez se faz mais numerosa e importante na medida em que desenvolve a sociedade” (Pannekoek, 2007, p. 277).
O processo de percepção da burocratização da socialdemocracia avançava através tanto de militantes, desde Hans Müller e seu livro A Luta de Classes na Socialdemocracia no final do século 19, passando por Makhaisky, na Rússia, do mesmo período até a revolução bolchevique, até obras de acadêmicos e militantes dos anos posteriores. Makhaisky (1981) teve um papel essencial ao analisar a intelligentsia como classe social privilegiada que se manifestava na socialdemocracia (e no bolchevismo) e que nada tinha a ver com o movimento operário e com o comunismo. Porém, a ressonância de sua obra se deu apenas na Rússia e sem grandes repercussões, a não ser em alguns grupos e indivíduos.
Em 1914, ano emblemático, é publicado o livro do integrante do Partido Socialdemocrata Alemão, Robert Michels, intitulado Sociologia dos Partidos Políticos, apresentando a sua tese da “lei férrea da oligarquia”. Nesta obra, fica explícito que a burocracia domina o partido, e isso é algo comum em todos os partidos políticos existentes, inclusive nos partidos ditos “socialistas” (Michels, 1982). O aparato partidário, com a estabilidade dos chefes, o seu poder financeiro, o controle da imprensa, a ação dos parlamentares, a luta pelo poder entre os chefes (que criam novos grupos e cisões), as tendências centralizadoras, são abordadas por Michels, bem como a metamorfose das massas quando aderem ao partido e ganham vantagens nisso. O crescimento partidário aumenta o burocratismo e o crescimento eleitoral reforça o conservadorismo e reformismo e ambos se reforçam reciprocamente, pois um crescimento reforça o outro e as concepções burocráticas e a burocracia partidária são reforçadas da mesma forma.
“A luta pelo socialismo resulta inevitavelmente no aburguesamento do movimento socialista – esse é o ponto essencial da clássica análise de Robert Michels. A luta requer organização; demanda um aparelho permanente, uma burocracia assalariada; exige que o movimento se dedique a atividades econômicas próprias. Com isso, os militantes socialistas forçosamente tornam-se burocratas, editores de jornais, administradores de companhias de seguro, gerentes de casas funerárias, e até mesmo Parteibudiger – gerentes de bar do partido. Todas essas ocupações são características da pequena burguesia” (Przeworski, 1989, p. 27).
Obviamente que essa tendência à burocratização não é derivada da luta pelo socialismo quando se pensa no caso de um verdadeiro movimento revolucionário (caso do anarquismo, conselhismo, etc.), mas apenas no caso dos partidos socialdemocratas e derivados e semelhantes. As organizações revolucionárias são não-burocráticas e por isso, inclusive, que não crescem de forma a se constranger a formar uma burocracia interna e quando seu crescimento é além do comum, se utiliza formas organizativas diferenciadas (federações, articulações, uniões, etc.) e não hierárquicas.
O crescimento eleitoral da socialdemocracia destrói os sonhos, ilusões e crenças de que ela ainda teria a possibilidade de assumir uma posição revolucionária, o que já era impossível desde o início do século 20, devido seu grau de crescimento e burocratização (e das ideologias e outros aspectos derivados disso), mas ainda restava a crença que foi diminuindo até se extinguir com o fortalecimento eleitoral e crescimento partidário da mesma.
“O partido alemão – apontado por Engels como o modelo a ser seguido – cresceu, apesar dos anos de depressão, de 125 mil votos em 1871 para 312 mil em 1881, 1 427 000 em 1890 e 4 250 000 às vésperas da Primeira Guerra Mundial. De fato, tão logo se permitiu que caducassem as leis anti-socialistas, o SPD tornou-se, em 1890, o maior partido da Alemanha, com 19,7% dos votos. Em 1912, sua porcentagem – 34,8% – era mais que o dobro da relativa ao segundo maior partido. Não é de admirar que, em 1905, Bebel pudesse “explicitar a hipótese, amplamente aceita por seus correligionários socialistas, de que a classe operária continuaria a crescer e que o partido englobaria, um dia, a maioria da população [...]. Vários partidos entraram de modo ainda mas notável na competição por votos. Em 1907, os social-democratas finlandeses conseguiram maioria relativa, 37%, na primeira eleição com sufrágio universal. Os social-democratas austríacos obtiveram 21% quando o direito do voto foi estendido a todos os indivíduos do sexo masculino, em 1907; em 1911, sua porcentagem chegou a 25,4%, e em 1919 conquistaram a maioria relativa – 40,8%. O belga Parti Ouvrier conseguiu 13,2 de votos ao ser abolido o régime censitaire em 1894, e continuou a crescer aos saltos, chegando em 1925 à maioria relativa de 39,4%, sucesso que “estimulou-os a supor que a contínua industrialização produziria um eleitorado crescentemente composto de operáros socialistas”. Mesmo nos países onde os primeiros passos não atingiram proporções tão eloquentes, o progresso eleitoral parecia inevitável. Na religiosamente politizada Holanda, os socialismo marchou a passos largos, passando de 3% de votos em 1896 para 9,5%, 11,2%, 13,9% e, em 1913, 18,5%. O partido dinamarquês obteve 4,9% em 1884, a primeira eleição que disputou; em 1889, conseguiu apenas 3,5%; a partir daí, o partido jamais deixou de aumentar sua porcentagem de votos até 1935, quando chegou a 46,1%. Novamente, “houve uma expectativa geral de que, sendo o único partido a representar o movimento operário, chegaria ao poder por intermédio da maioria absoluta do eleitorado”. O partido sueco teve um início humilde, apresentando candidatos em chapa conjunta com os liberais; alcançou 3,5% em 1902, 9,5% em 1905, 14,6% em 1908, deu um salto para 28,5% e 1911, com a extensão do direito de voto, aumentou sua participação para 30,1% e 36,4% nas duas eleições sucessivas de 1914 e, juntamente com sua ala radical, obteve a maioria relativa de votos – 39,1% – em 1917. O Partido Trabalhista norueguês cresceu cerca de 5% a cada eleição a partir de 1897, quando obteve 0,6% de votos, até 1915, quando sua porcentagem atingiu 32,1%” (Przeworski, 1989, p. 33).
Assim, os partidos socialdemocratas cresciam cada vez mais a partir principalmente do início do século 20 e eleitoralmente ganhava cada vez mais peso. O crescimento partidário está ligado ao número de militantes e isso tende a gerar um processo de burocratização. O objetivo eleitoral, por sua vez, torna necessária a militância, propaganda, imprensa, especialistas, etc. Isso provoca uma burocratização crescente[13]. Porém, o crescimento eleitoral reforça o crescimento partidário, atraindo os iludidos e os oportunistas, por um lado, ou seja, o crescimento quantitativo e, por outro lado, criando novos cargos e espaços institucionais (no próprio partido, mas principalmente no parlamento e no governo, ou seja, no poder legislativo e executivo, sendo que um eleito emprega auxiliares, principalmente no último caso). É bem comum que os partidos socialdemocratas iniciem sua trajetória com maior radicalismo e proximidade com o proletariado, inclusive a nível de integrantes, apesar de sempre contar com intelectuais e burocratas, bem como possivelmente camponeses, pequeno-burgueses e outros. O seu crescimento partidário e eleitoral logo atrai o que Michels denominou “charlatões e ambiciosos”. Tal como ele coloca:
“Muitos detestam, conscientemente ou não, a autoridade do Estado, porque ela lhes é inacessível. É a velha história da raposa e das uvas muito verdes. O que os empurra é a inveja, a sede insaciável de poder: o ódio e o ciúme dos caçulas pobres das grandes famílias pelos seus irmãos mais ricos e mais afortunados” (Michels, 1982, p. 152)[14].
Logo, o partido socialdemocrata torna-se um meio de ascensão social, uma forma de ganhar a competição social, elemento estrutural da sociabilidade capitalista (Viana, 2008b) que se reproduz em tais organizações partidárias. Esse processo, por sua vez, reproduz a mentalidade burguesa e esta reforça a sociabilidade capitalista através de valores, sentimentos e concepções que apontam para a reprodução da competição, burocratização e mercantilização das relações sociais (Viana, 2008b). Isso pode ser visto no que Michels chamou “metamorfose psicológica dos chefes”, onde, obviamente, o aspecto burocrático (ânsia pelo poder, direção, dominação) é o elemento mais desenvolvido da mentalidade burguesa (Michels, 1982).
E isso atinge aos “chefes” (burocratas) de origem burguesa, proletária, etc. A passagem de uma classe social para outra significa uma mudança de modo de vida e de mentalidade, que, mesmo tendo variações individuais, no caso do partido político, expressa um conservadorismo ascendente (com ou sem contradição e racionalização, para usar termo de origem psicanalítica, dependendo do caso), já que ao aceitar as relações sociais, as ações que devem realizar, novos valores, as novas “amizades” e práticas (acordos, conchavos, alianças) e a mudança de objetivos (da revolução para a vitória eleitoral e conquista do poder estatal ou pelo menos cargos), não aceita meio termos. Os que resistem a isso abandonam o partido, seja para formar outro ou para criar outras formas organizacionais ou, ainda, abandonar a prática política. Claro que alguns abandonam o partido por descontentamento em não estar no cume da hierarquia burocrática e assim buscam criar novos partidos e levam com eles uma legião de iludidos, que, muitas vezes, se tornam desiludidos em pouco tempo e quanto mais o novo partido cresce.
Nesse processo, se cria uma ampla e forte burocracia partidária, que, por sua vez, se une com uma também poderosa burocracia sindical e elas se reforçam mutuamente. Surgem, assim, duas novas frações da classe burocrática[15], uma classe auxiliar da burguesia, que vive querendo se autonomizar e assumir o poder estatal, seja pela via eleitoral, como a burocracia moderada (socialdemocracia), seja pela via insurrecional, como a burocracia radicalizada (bolchevismo).
A participação de Pannekoek na socialdemocracia se dá neste contexto. Obviamente que ele fez parte de sua ala dissidente e que somente em raros casos havia posições distintas da socialdemocrata na época (fora do marxismo havia apenas o caso do anarquismo e dentro dele, havia casos individuais, como o já citado Makhaisky). Sem dúvida, suas concepções divergiam da socialdemocracia em diversos aspectos, tal como sua valoração das ações de massas, apoio ao movimento grevista, tese da necessidade da destruição do estado, entre outras, que entrava em flagrante oposição com a ala dominante da socialdemocracia. A sua participação crítica na socialdemocracia, por sua mentalidade e posições, levariam, fatalmente, ao rompimento. As mudanças sociais e o crescimento da socialdemocracia tornaram inevitável a ruptura. E essa época marca uma nova fase do pensamento de Pannekoek.
Da Socialdemocracia ao socialismo radical
A evolução da socialdemocracia (crescente conservadorismo e burocratização) acabou constrangendo os dissidentes e radicais a abandonar o partido, o que se fortalece a partir de 1914 e o processo de apoio à guerra e nacionalismo que passa a ser defendido pelos partidos socialdemocratas. Nesse contexto, diversos indivíduos, grupos, tendências, geraram novos partidos ou permaneceram relativamente autônomos e independentes diante deles. Pannekoek, que estava na Alemanha, onde lecionava na escola do partido, volta para a Holanda[16], e, assim, participa das atividades de vários grupos radicais, especialmente os “tribunistas”, que publicam o jornal A Tribuna e tinha em Hermann Gorter um dos seus principais representantes teóricos. A Conferência de Zimemerwald aponta para uma articulação dos grupos radicais e Pannekoek e Henriette Roland-Host tornam-se responsáveis pela publicação da revista alemã Verbote, que conta com a contribuição de socialistas radicais de vários, países, incluindo Lênin. É nessa época que surge a Liga Spartacus, de Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Franz Mehring e outros, a Esquerda de Breme, e o grupo Comunista Internacionalista, na Alemanha. A união de diversos grupos proporciona a emergência de novos partidos. No caso alemão, o SPD (Partido Socialdemocrata Alemão) gera o USPD (Partido Socialdemocrata Alemão Independente) e, posteriormente, o KPD (Partido Comunista Alemão) e da cisão nesse surgirá o KAPD (Partido Comunista Operário da Alemanha), embora este último apareça a partir do fim do socialismo radical. A formação do KPD é um momento importante para entender o radicalismo surgido da ruptura com a socialdemocracia (Almeida, 1982), pois aglutina várias tendências e grupos (Liga Spartacus, Esquerda de Breme, Comunistas Internacionalistas, entre outros menores) e expressa o socialismo radical. Num determinado momento, ocorre uma ruptura: os radicais e os esquerdistas.
É neste contexto que Pannekoek irá produzir suas obras no interior do socialismo radical, novamente como dissidente interno. Ele realizava, principalmente, uma crítica ao bolchevismo, a versão russa do socialismo radical, que, no entanto, propunha uma volta ao terreno da socialdemocracia antes da Primeira Guerra Mundial. Ele faz observações críticas sobre a Revolução Russa, apesar de apoiá-la, e em O Novo Blanquismo critica a tática leninista. A sua posição diante do bolchevismo vai ficando cada vez mais crítica. Após Lênin publicar O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo (Lênin, 1989), na qual dedica a maior parte à esquerda alemã, apresentando uma crítica a textos de Pannekoek e Gorter, assinados com pseudônimos, a ruptura se torna aberta. Hermann Gorter publica Carta Aberta ao Companheiro Lênin, uma resposta direta ao livro deste[17] e, posteriormente, Pannekoek publica sua principal obra deste período, Revolução Mundial e Tática Comunista.
Nessa obra, Pannekoek retoma a questão da revolução russa e critica o socialismo radical. Isso ocorreu, obviamente, no contexto de ruptura entre radicais e esquerdistas. A socialdemocracia, que continua existindo e, de certa forma, mantendo a hegemonia, propunha ação parlamentar e sindical, e o socialismo radical propunha ação de massas (Rosa Luxemburgo, Pannekoek) ou insurreição armada (Lênin), embora, neste último caso, não abandonando a tática socialdemocrata parlamentar e sindical. No caso alemão, o USPD, a socialdemocracia independente, tornou-se meramente reformista como seu antecessor e gerador, o SPD, e o KPD, que representava, então, o socialismo radical, acabou sendo dominado pelo bolchevismo após a morte de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, e o espartaquismo foi substituído pelo oportunismo de Pau Levi, que ainda mantinha o nome do grupo mas o reaproximava da socialdemocracia, e pelo bolchevismo, uma forma distinta de socialismo radical[18].
O Comunismo de Conselhos
Assim, o socialismo radical acaba sendo cada vez mais hegemonizado pelo bolchevismo, que após a Revolução Bolchevique, se torna uma grande influência e busca, através da Terceira Internacional, dos escritos de Lênin (especialmente O Esquerdismo), tornar-se modelo a ser seguido e fazer do partido bolchevique dirigente internacional. O nome comunismo, retomado de Marx, substitui o nome socialdemocracia e os novos partidos passam a se chamar comunistas. É neste contexto que ocorre a ruptura:
“A tensão entre a corrente radical e as tendências extremistas se acentuou. Para dizer a verdade, a corrente radical não superava o círculo dos dirigentes do partido, a “Central” berlinense e alguns comitês das províncias. Uma camarilha, porém sustentada pela III Internacional, que só aspirava a uma coisa: a fusão com os socialistas independentes. Estes, efetivamente, se encontravam no cruzamento dos caminhos. Por um lado, não havia nada fundamental que os separasse da tática clássica, dos majoritários, porém, por outro lado, a maior parte deles estava convencida de que a cooperação com os partidos burgueses reduzia a quase nada as perspectivas de reformas eficazes. Além disso, os independentes, tanto como o comitê central do KPD e a direção da Internacional, não admitiam a ação direta – que eles chamavam de putschista – suscetível de atemorizar os eleitores e de prejudicar, assim, a tática parlamentarista” (Bricianer, 1975, p. 176).
Através de maquinações, esse pequeno grupo burocrático do KPD conseguiu expulsar mais da metade do partido, acusados de serem “esquerdistas” (Canne Meijer, 1976; Authier, 1975). Da ruptura, emerge um novo partido, o KAPD, Partido Comunista Operário da Alemanha, que em seu início contou com Gorter, Rühle, Pannekoek e outros. Este, no entanto, devido às divergências com a socialdemocracia e bolchevismo, por um lado, e recusa de sindicatos e partidos, por outro, se dizia como não sendo “um partido político propriamente dito”. A revolução alemã, iniciada em 1918 e que vai até 1921, com a instauração de várias repúblicas de conselhos operários em diferentes regiões da Alemanha, em períodos diferentes, o que prejudicava a luta geral, pois quando avançava num lugar, era derrotado em outro, foi a determinação fundamental desse processo de ruptura.
Porém, além do impacto dos sovietes (conselhos operários) na Rússia, a sua emergência na Alemanha e formação de repúblicas de conselhos (sem falar em outros países, mas como menos radicalidade do que nestes dois), se produziu uma teoria dos conselhos operários, expressa por aqueles que são chamados “comunistas conselhistas”, que se opuseram aos “comunistas de partido” (bolchevismo) e que contava com inúmeros integrantes nessa época, e os que ficaram mais conhecidos, foram os que deixaram escritos sobre esta época histórica: Otto Rühle, Hermann Gorter, Helmutt Wagner, Paul Mattick (embora este mais jovem na época), entre outros, e, entre eles, Anton Pannekoek. Posteriormente, novos grupos inspirados no comunismo de conselhos irão surgir na Holanda e outros países, e Karl Korsch se tornará um dos representantes de tal tendência. Os que não morreram, como Gorter, falecido em 1927 e Rühle, falecido em 1947, continuaram produzindo intelectualmente e ajudaram a ampliar as contribuições teóricas do comunismo de conselhos, tal como Paul Mattick, Karl Korsch e Anton Pannekoek[19].
O comunismo de conselhos apresentará uma crítica radical aos partidos e sindicatos. Pannekoek será um dos representantes desta tendência que mais irá discutir estas questões. É a partir desse período que os textos presentes nesta coletânea foram selecionados. A experiência histórica demonstrou, cabalmente, o papel dos partidos e sindicatos. Os partidos socialdemocratas e assemelhados, nunca ultrapassaram o nível do reformismo e do conservadorismo. E quando explodiam ações espontâneas e radicais do proletariado, sempre foram chamados para “apagar o fogo”, tal como ocorreu com a Revolução Alemã de 1918, na qual SPD e USPD foram chamados para compor o governo e combateram a esquerda sem nenhum pudor, e isso data do assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, entre outros. No resto da Europa e do mundo nunca foi diferente. Os partidos socialdemocratas se tornam grandes máquinas eleitorais e conservadoras. Mesmo em seu período de nascimento, quando ainda são pequenos, os burocratas partidários e seus aliados mais próximos (burocratas sindicais, intelectuais, etc.) fazem um discurso um pouco mais radical, mas já mostrando seu caráter socialdemocrata, o que é disfarçado graças às tendências mais à esquerda existentes no seu interior, que vão ou se integrando ou sendo expulsas ou, ainda, saindo por contra própria.
A crítica da socialdemocracia por parte de Pannekoek partiu desde sua experiência no seu interior e sua evolução histórica, mas também pelo processo de reflexão destas experiências e da forma organizativa socialdemocrata. Se, num primeiro momento, a análise de Pannekoek apontava que os partidos socialdemocratas tinham desvios, principalmente devido influências pequeno-burguesas, agora são vistos como obstáculos para a emancipação proletária devido sua própria forma organizativa, burocrática.
Por outro lado, um tipo de partido diferente, o Partido Bolchevique, conseguiu atrair uma grande parte dos descontentes da socialdemocracia, principalmente após a Revolução Bolchevique. A revolução russa de fevereiro foi resultado da luta espontânea do proletariado, e a emergência dos conselhos operários (sovietes) mostrou sua força. Porém, isso provocou mudança de governo, mas não abolição do poder estatal. Nesse contexto, emergiu uma guerra civil aberta ou dualidade política[20] e aumento da força proletária, tanto por parte dos conselhos operários quanto por outras formas de auto-organização complementares ou similares.
As organizações proletárias que emergem no bojo da Revolução Alemã, os conselhos operários e uniões operárias, marcavam uma nova fase da luta proletária que terá um profundo impacto no pensamento de Anton Pannekoek (e outros militantes da época). As lutas proletárias marcaram a emergência de uma forma de auto-organização que tinha a capacidade de organizar o processo de produção e as relações sociais territoriais, os conselhos de fábrica, que, articulados constituem os conselhos operários e estes, por sua vez, fundavam as uniões operárias, base das repúblicas de conselhos que surgiram na Alemanha. Neste contexto, ficou mais claro o papel dos sindicatos e partidos que, claramente, buscavam combater ou dirigir tais formas de auto-organização. O Partido Socialdemocrata Alemão e os independentes tiveram um papel fundamental na luta por impedir a radicalização do movimento operário, e a instauração da República de Weimar significou a última chance da burguesia alemã salvar seu capitalismo, com apoio dos socialdemocratas, sindicatos e do Partido Comunista Alemão, após a morte de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Outro processo histórico importante para a elaboração da concepção de Pannekoek foi a Revolução Russa de 1917. A emergência dos sovietes proporcionou um entusiasmo geral, já que a luta proletária espontânea e autônoma adquiria uma nova fase e forma organizacional. O período que vai de fevereiro até outubro, quando os bolcheviques tomam o poder estatal, é marcado pela força do proletariado nas unidades de produção e determinadas regiões. A tomada do poder estatal pelo Partido Bolchevique significou uma contrarrevolução burocrática. O bolchevismo, desde sua emergência, era uma organização burocrática e disciplinar, e Lênin foi o seu grande ideólogo.
Desde sua obra clássica, Que Fazer? na qual teoriza a incapacidade de autolibertação proletária e coloca a necessidade de um partido de vanguarda para dirigi-la e produzir sua consciência revolucionária (Lênin, 1988)[21], passando por diversas outras onde tematiza a disciplina, o ataque aos grupos dissidentes, internos ou externos ao partido, já era uma prefiguração do que ocorreria uma vez no poder estatal. Ao contrário do que muitos colocam, não existiu nenhuma diferença radical entre Lênin antes e depois do poder, as práticas e concepções eram semelhantes, o que havia de diferença eram slogans e palavras de ordem para conquistar o apoio das massas (alguns extremamente famosos como “todo o poder aos sovietes” e “pão, paz e terra”) e concessões democratizantes falsamente libertárias para conquistar este apoio popular e combater adversários políticos, como em O Estado e a Revolução (Lênin, 1987b; Viana, 2011d), durante o momento em que buscava reunir forças para chegar ao poder estatal.
Existe uma ampla documentação e bibliografia sobre a prática, decretos e discursos de Lênin no poder, que mostram todo o seu burocratismo, a sua mentalidade burocrática e dirigista que saiu do casulo do partido e atingiu o poder estatal e, assim, da burocracia partidária emerge a burocracia estatal, a forma difere, mas a essência é a mesma. A dissidência interna do partido foi proibida e a externa perseguida (Viana, 2007), os marinheiros de Kronstadt são massacrados (Arvon, 1981), os camponeses ucranianos são vítimas de armadilha do exército vermelho (Machnó, 1988). Porém, como na Revolução dos Bichos de George Orwel (2003), Lênin desconsidera as poucas concessões de O Estado e a Revolução e, tal como fizeram os porcos desta ficção, Napoleão e Bola de Neve, ele altera os princípios anteriormente estabelecidos e onde estava escrito “todos devem receber salários de operários”, leia-se, doravante, “os técnicos e especialistas devem ganhar salários mais altos”; onde estava dito “todo o poder aos sovietes”, leia-se, “todo o poder ao partido e ao estado ditatorial”. A lista de Lênin, no entanto, é cem vezes maior do que a de Napoleão, o porco burocrata.
Assim, é possível ler nas obras de Lênin, totalmente ao contrário do que dizia Marx[22], que no socialismo o dinheiro se torna a “nata” da sociedade (Lênin, 1980), que o taylorismo, forma capitalista de organização do trabalho, deve ser implantado, que os técnicos e especialistas devem receber salários mais altos, que deve haver direção única nas fábricas. O processo de esvaziamento foi a estratégia leninista para combater os conselhos operários (Brinton, 1975). Assim, se os dissidentes ainda apelavam para o partido e para que este reconhecesse a autoatividade das massas (Kollontai, 1977; Viana, 2007) não faziam mais que demonstrar que não entenderam que se tratava de uma luta de classes entre burocracia e proletariado ao invés de disputa de facções e que apelos aos líderes burocratas Lênin e Trotsky nada representavam. Isso tudo, inclusive, foi derivado da concepção vanguardista de Lênin e sua concepção insurrecionalista de revolução, gerando nada mais do que um golpe de Estado, como bem identificou Makhaisky (1982) na época e outros reconheceram depois[23].
Porém, uma coisa é o que acontecia na Rússia concretamente, outra coisa era a imagem disso na Europa e nos resto do mundo. A revolução russa era saudada como revolução proletária e como instituição do socialismo, enquanto que Lênin era tido como o grande arquiteto dessa proeza histórica. Os sovietes eram tidos como a base do regime instaurado na Rússia e o bolchevismo como um partido que dirigia a transformação socialista deste país. As poucas informações, vindas dos antagonistas e dos partidários, eram um obstáculo para uma melhor compreensão. A simpatia pelo acontecimento fazia com que os adeptos do socialismo, de todas as tendências (anarquismo, bolchevismo, socialismo radical, etc.) acolhessem com entusiasmo a revolução bolchevique e a crença que as informações vindas dos seus representantes eram verdadeiras. Poucos questionaram a Revolução Bolchevique, tal como Rosa Luxemburgo (Luxemburg, 1991) e, mesmo os que o fizeram, o fazia moderadamente e ainda falando da admiração pelo bolchevismo.
É por isso que a ruptura com o regime soviético foi sendo feita aos poucos. A crítica de Rosa Luxemburgo não foi publicada a não ser alguns anos depois (foi escrita em 1918 e publicada em 1921). As novas informações que chegavam, as posições dos bolcheviques nas questões internacionais e no interior da Terceira Internacional, os acontecimentos de Kronstadt, entre outros, acabaram desiludindo diversos indivíduos e grupos. Otto Rühle, por exemplo, visitou a Rússia para um Congresso da Terceira Internacional e depois relatou que lá o proletariado era mais explorado que na Alemanha. Assim, as polêmicas com o bolchevismo se tornam cada vez mais amplas e as novas informações e práticas foram se avolumando, e com isso a ruptura se tornou inevitável.
Assim, Pannekoek passa a integrar o grupo daqueles que caracterizam a União Soviética como um capitalismo de Estado. Essa tese é desenvolvida na própria Rússia, mas também na Europa. Na Rússia, a teoria do capitalismo de Estado é precedida pelos grupos dissidentes no interior do próprio Partido Bolchevique, que em seus textos de crítica ao regime instalado avisam da ameaça de sua transformação em capitalismo estatal caso siga o caminho apresentado pelos líderes do partido e não incentivem a autoatividade das massas. Esse é o caso dos grupos Oposição Operária, Comunistas de Esquerda e Centralismo Democrático (Viana, 2007). A definição do regime bolchevique como capitalismo de Estado ocorre através dos grupos externos ao Partido Bolchevique, tal como os grupos Verdade Operária, de Bogdanov, e Grupo Operário, de Miasnikov (Viana, 2007).
Na Europa, coube a alguns militantes e grupos as primeiras teorizações do capitalismo estatal. Na Alemanha e Holanda, os comunistas conselhistas; na Itália, Rodolfo Mondolfo e, mais tarde, Amadeo Bordiga; na Inglaterra, Sylvia Pankhurst e Guy Aldred; assim como inúmeros outros. Depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma tentativa de apropriação da teoria do capitalismo de Estado por parte de tendências leninistas, de acordo com seu oportunismo político. Alguns trotskistas mais radicais, tais como Tony Cliff (2011), mas também Chris Harmann e Alex Callinicos, passaram a definir a URSS como capitalismo de Estado, mas que só se efetivou a partir da ascensão de Stálin; alguns stalinistas, por sua vez, passaram a considerar que isso realmente ocorreu, mas apenas após a morte de Stálin; e, alguns maoistas, como Charles Bettellheim (1979; 1973), passaram a defender tal tese, entre outros.
Pannekoek adota a tese do capitalismo de Estado, mas falta-lhe rigor e precisão conceitual. Ele coloca, em várias passagens, capitalismo de Estado e, em outras, Socialismo de Estado. No artigo “Capitalismo de Estado e Ditadura”, diz que são a mesma coisa e, em Os Conselhos Operários, reveza os dois termos como sendo sinônimos. O problema da imprecisão conceitual de Pannekoek será abordado adiante, mas, nesse caso específico, é preciso esclarecer que capitalismo e socialismo são coisas distintas, embora a deformação no uso desta última palavra (o que não deixa de ocorrer também no caso da primeira, mas em menor grau e com menos prejuízo político) acabe apagando parcialmente tal diferença, mas que o uso indistinto das duas para qualificar o regime “soviético” pode trazer mais confusão do que esclarecimento e uma das tarefas daqueles que lutam pela transformação social é justamente, como bem coloca o próprio Pannekoek, a clarificação. A confusão conceitual não ajuda na clarificação política. Além disso, a palavra socialismo sendo usado para qualificar tal regime pode ser entendido de forma positiva, e “socialismo de Estado” pode dar a entender que é possível tal coisa. Em síntese, Pannekoek comete um equívoco formal que tem consequências teóricas e políticas, tal como discutiremos adiante.
Pannekoek não desenvolveu nenhuma análise aprofundada da Rússia ou teoria do capitalismo de Estado. Ele apenas caracterizou e justificou uma definição, mas sem um aprofundamento maior. Outros comunistas conselhistas, especialmente Paul Mattick (2011), desenvolveram mais profundamente tal teoria. De qualquer forma, a caracterização da Rússia como capitalismo de Estado remete a um conjunto de questões que necessitam ser desenvolvidas ou remetidas para outros que realizam tal desenvolvimento, o que Pannekoek não fez. Em síntese, é necessário comprovar o caráter capitalista da Rússia e isso pressupõe uma definição de capitalismo, que já se encontra em Marx – obviamente existem outros, mas para quem se diz marxista essa é a referência – e o capitalismo é definido por esse como um modo de produção fundado na extração de mais-valor. É por isso que existe um amplo debate sobre a existência ou não de mais-valor no regime “soviético”, bem como, para os deformadores do marxismo, se pode ou não existir a “lei do valor” no socialismo[24].
Na verdade, na Rússia nunca deixou de existir a produção de mais-valor, pois a revolução proletária ocorrida lá foi inacabada e, portanto, não aboliu totalmente tal produção e a tomada do poder estatal pelos bolcheviques reforçou sua existência, significando uma contrarrevolução burocrática que implantava um capitalismo estatal. A sociedade russa após o bolchevismo se constituiu como um capitalismo de Estado, pois a extração de mais-valor, via trabalho fabril assalariado, foi mantido e ampliado, realizando uma industrialização forçada e rápida. Isso permitiu um rápido desenvolvimento capitalista, fundado num alto grau de exploração do proletariado e do campesinato. Uma questão derivada e de importância menor é a discussão em torno da propriedade privada. A propriedade privada, para Marx, é mera expressão jurídica das relações de produção e, por conseguinte, toda discussão ideológica que uniram os pseudomarxistas da antiga URSS e até mesmo sociólogos e ideólogos dos EUA e Europa Ocidental, desde Berle e Means, passando por Gurvitch, Aron e Dahrendorf, sobre propriedade e controle, revelam uma incompreensão/deformação da teoria de Marx (Viana, 2011b). A questão da propriedade ou do controle da propriedade é algo sem sentido na teoria do capitalismo de Marx. As relações de produção capitalistas são caracterizadas pela produção de mais-valor e é essa que constitui as duas classes fundamentais do capitalismo, a burguesia, classe exploradora e apropriadora do mais-valor, e o proletariado, classe explorada e produtora de mais-valor.  
A forma como isso ocorre é outra questão. Assim, a classe capitalista pode fazer isso individualmente ou coletivamente (sociedade por ações, via poder estatal, etc.) e a tendência do capitalismo, devido suas características derivadas (reprodução ampliada do capital, concentração e centralização do capital) é reduzir o número de proprietários e reuni-los em grandes empresas. No caso da Rússia, a apropriação do mais-valor se dá através do Estado e é por isso que é um capitalismo estatal. A classe dominante extrai mais-valor por intermédio do Estado e por isso é uma burguesia estatal que, ao mesmo tempo, exerce a função de controle, tanto das empresas quanto da sociedade como um todo, realizando atividades que, no capitalismo privado, foram separadas e atribuídas à burocracia.
Assim, quando Pannekoek afirma, em algumas passagens, que se trata de uma “nova classe dominante” é um equívoco, a não ser que por isso se entenda novos indivíduos no lugar dos antigos da mesma classe ou, ainda, que é nova forma dessa classe. A burocracia enquanto classe social realizou uma contrarrevolução e tomou o poder estatal e, através deste, passou a exercer o papel da classe capitalista, extrair mais-valor e coordenar a acumulação de capital. Logo, trata-se de uma burguesia originada da burocracia e fundida com ela, pois une as atividades burguesas e burocráticas, que passam a ser exercidas por uma única classe. Assim, a burguesia de Estado é uma fusão da classe capitalista com a classe burocrática. Essa burguesia burocrática não é uma “nova classe dominante” no sentido de que não criou um novo modo de produção e nem é uma novidade radical. Para a burocracia se tornar uma nova classe dominante, teria que abolir a produção de mais-valor e instaurar uma nova forma de exploração em seu lugar e isso só poderia ocorrer com sua generalização mundial, o que não ocorreu. A ideologia do “socialismo em um só país”, defendida por Stálin, apenas revelava a incapacidade do capitalismo estatal suplantar mundialmente e imediatamente o capitalismo privado e a chamada “Guerra Fria” assumiu a forma de embate entre as duas grandes potências que são expressões de duas formas de capitalismo. Assim, o que emerge na Rússia a partir do bolchevismo não é uma “nova classe” e sim uma nova forma de burguesia que resulta de sua fusão com a burocracia.
Voltando ao nosso assunto original, temos, neste breve esboço, alguns dos principais elementos que compõem o pensamento de Pannekoek: por um lado, recusa e crítica da socialdemocracia, do parlamento, dos partidos, dos sindicatos, do bolchevismo, do capitalismo de Estado e, por outro, afirmação da necessidade de auto-organização, desenvolvimento da consciência revolucionária, ação direta, greves, conselhos operários. Esse conjunto de elementos faz de Pannekoek um dos pensadores mais importantes entre os que expressaram a perspectiva do proletariado e somando isso com a sua contribuição em outras questões (a questão da consciência, a crítica do materialismo burguês de Lênin, etc.), temos uma das grandes referências para uma análise do capitalismo e, ao mesmo tempo, da revolução proletária e dos conselhos operários.
Nesse contexto, as revoluções proletárias inacabadas na Rússia e Alemanha foram fundamentais para a teoria dos conselhos operários de Pannekoek. Este escreveu inúmeros textos sobre os conselhos, suas possibilidades e seu antagonismo com as organizações burocráticas. Mas sua grande obra foi, sem dúvida, Os Conselhos Operários, de 1947. Nesta obra ele sintetiza e aprofunda vários aspectos já abordados anteriormente, acrescentando novos elementos e superando alguns problemas. Essa obra assume uma grande importância na história do marxismo, já que é uma síntese de um conjunto de concepções, práticas e da história do movimento operário em seu período de maior radicalidade simultânea em diversos países durante o século 20.
No entanto, a obra de Pannekoek possui alguns pontos problemáticos. Não se trata aqui de fazer a crítica de alguns aspectos do seu pensamento, mas apenas de alertar e escapar da apologia acrítica que não combina com o espírito libertário, com a perspectiva proletária e com o ideal da crítica desapiedada do existente. Claro que, caso não houvesse problemas, seria desnecessário realizar tal discussão, mas, uma vez que se tem consciência de alguns problemas, então é nosso dever revolucionário explicitá-los. Vamos apenas colocar umas breves considerações sobre tais problemas – que, por sinal, não comprometem o valor e vínculo com o proletariado por parte de Pannekoek, mesmo porque, tais problemas são mais de caráter formal. O conteúdo de sua obra é revolucionário, proletário, libertário e isto não está em dúvida.
O primeiro problema é a imprecisão conceitual que Pannekoek cai em muitas oportunidades e isso cria confusão, não só teórica, mas também política. No que se refere ao processo de produção teórica, Marx inaugurou toda uma produção marcada pela coerência – que, obviamente, nunca é total, pois além da evolução intelectual de um autor, ainda há as dificuldades, obstáculos, etc. que atingem a todos – e por uma riqueza conceitual até hoje ainda não reconhecida em sua totalidade. A teoria é a “expressão da realidade” (Korsch, 1977) através de um universo conceitual articulado que fornece sua explicação (Viana, 2008c). Assim, uma produção teórica expressa uma concepção aprofundada e desenvolvida da realidade, elemento necessário para reconstituir a realidade no pensamento e a precisão conceitual é fundamental por dificultar deformações e incompreensão.
A imprecisão conceitual abre espaço para a deformação do pensamento teórico revolucionário. Já citamos o caso do capitalismo de Estado e, em Pannekoek, existem outros exemplos, mas vamos destacar um outro que é algo que pode ter consequências teóricas e políticas mais graves, que é sua concepção de partido. Essa concepção já foi analisada (Souza, 2011; Mendonça, 2011) e os textos de sua última fase de pensamento expressam, muitas vezes, uma recusa do partido e até da expressão “partido revolucionário”, enquanto que, em outras passagens, pensa partido como “grupos de opinião”. Essa dubiedade, às vezes reforçadas por traduções problemáticas, pode dar margem para se pensar que Pannekoek aceitava a possibilidade de um partido, tal como alguns dizem. Isso pode ser reforçado pela descontextualização da evolução intelectual de Pannekoek e pela retomada de textos da época em que ele pertenceu à socialdemocracia, o que pode gerar a deformação do seu pensamento no sentido de legitimar os partidos políticos existentes ou usar suas ideias para defender a formação de mais um partido político. E até mesmo aqueles que querem se inspirar em seu pensamento podem caminhar no sentido contrário ao dele por apego a ideias ou afirmações que carecem de maior profundidade e precisão (bem como leituras rigorosas e, por conseguinte, contextualizadas).
No fundo, Pannekoek não elaborou uma teoria dos partidos políticos e das organizações revolucionárias[25] e usou de forma ambígua o termo partido, o que abre espaço para confusão e deformação. Para elaborar uma teoria dos partidos políticos seria necessária uma conceituação de partido de forma aprofundada, uma análise de cada elemento componente do conceito e seus vínculos com outros conceitos que expressam aspectos da realidade fundamentais para sua explicação (Estado, burocracia, classes sociais, ideologia, etc.)[26]. Basta ver o que foi feito com a obra de Marx (inclusive o seu uso da palavra partido, num contexto histórico de inexistência de partidos no sentido atual da palavra e com significado radicalmente diferente, no Manifesto do “Partido” Comunista, obra posteriormente deformada), para reconhecer a importância da precisão conceitual. Esta faz parte da luta cultural e da luta de classes, não é mero preciosismo e sim parte da luta que influencia a mesma.
Outro problema na obra de Pannekoek, ligado a este, é sua discussão insuficiente a respeito das classes sociais. Sem dúvida, isso em parte é desnecessário, já que sendo marxista, usa a teoria das classes sociais de Marx. Porém, há incongruências entre sua abordagem e a de Marx. O seu uso do termo “classes médias” é um problema, pois não só recorda as ideologias da estratificação social da sociologia norte-americana, como cria uma confusão no entendimento das mesmas. Pannekoek não aprofundou a questão das classes e nem percebeu ou estudou sua complexidade em Marx. Por isso não pode perceber que, se Marx usou a expressão “classes médias”, isso não fazia parte de sua teoria das classes sociais e sim um uso de uma expressão que dava conta de algo ainda não teorizado e que merecia aprofundamento, além de ser de uso comum por outros autores. Em síntese, era um elemento “conjuntural” em seu pensamento e não “estrutural”[27].
Da mesma forma, apesar de discutir e em muitas oportunidades colocar a burocracia como classe social, não apresenta uma definição ou discussão sobre esta classe, não só no caso do capitalismo estatal russo, mas no caso do capitalismo privado quando discute a burocracia partidária e sindical. A ausência da percepção da classe burocrática produz equívocos políticos e teóricos, pois entender o papel desta classe nas revoluções proletárias e nas lutas políticas cotidianas, sendo uma classe auxiliar da burguesia que, em seus setores mais radicais – que atraí proletários, jovens e indivíduos bem intencionados e radicalizados – apontam para uma concepção de revolução que, no entanto, é não proletária e sim burocrática, na qual o partido é dirigente e o objetivo é a conquista do poder estatal pelo mesmo.
Porém, apesar dessas imprecisões conceituais – e outros usos de determinados termos poderia ser acrescentado, tal como “massas”, “poder’, etc. –, a apropriação burguesa ou burocrática do pensamento de Pannekoek é bem mais difícil do que de outros marxistas, pois sua radicalidade expressa no conteúdo é um obstáculo difícil de ser removido, embora não impossível e que seria quase impossível com um maior aprofundamento e precisão conceitual. Isto não retira seus méritos, apenas serve de alerta para não repetirmos os equívocos do passado e também não evitarmos a leitura rigorosa e crítica, já que a falta dessa é caminho para equívocos conceituais e políticos. O melhor caminho é a proposta de marxismo não-dogmático, crítico e revolucionário, tal como proposto por Karl Korsch (1977). Aliás, esse foi o caminho trilhado pelo próprio Pannekoek e este é outro mérito que ele deixou para os militantes posteriores e que deveria ser uma grande lição para todos nós. Ao invés de seguir seus textos religiosamente, é mais útil seguir os princípios libertários que defendeu.
Para encerrar, é preciso resgatar a importância de Pannekoek para a luta proletária. A sua obra Conselhos Operários, por exemplo, é uma das mais importantes do século 20, tanto para o marxismo quanto para o proletariado. Ela revela uma utopia concreta (Maia, 2010) e síntese de lutas que são excelente inspiração para lutas futuras. Esta obra foi publicada em 1947 e expressa não somente um aprofundamento e ordenação da questão dos conselhos operários como mostra o caráter da sua produção intelectual, não presa aos modismos e, além disso, indo em contradição em relação à cultura dominante em geral. Devido sua data de publicação, se insere na última fase do pensamento de Pannekoek e no período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Assim, ao contrário de muitos outros, Pannekoek não abandonou a concepção revolucionária após as derrotas do movimento operário que gerou o fascismo, o nazismo e a guerra. Nesse sentido, a teoria de Karl Korsch (1977), segundo a qual a história do marxismo acompanha a história do movimento revolucionário do proletariado, sendo que o avanço ou o recuo deste tem efeitos sobre aquele, é correta e foi isso que aconteceu com o marxismo. O recuo das lutas operárias no capitalismo oligopolista transnacional fez emergir ideologias conservadoras, pseudocríticas, e marginalizou completamente o marxismo. Até alguns dos mais radicais e revolucionários tombaram nesse conceito. O núcleo teórico do comunismo de conselhos teve muitas baixas, tal como a morte de Hermann Gorter em 1927 e Otto Rühle em 1947, mas outros mantiveram sua posição revolucionária e produziram por mais tempo, mantendo acesa a chama do comunismo de conselhos.
Porém, até o final de sua vida, Pannekoek manteve-se revolucionário e fiel aos seus princípios. Nesse sentido, ele é um marxista resiliente[28]. Pois enquanto outros abandonaram ou abrandaram o ímpeto revolucionário, ele, junto com alguns outros poucos, manteve-se fiel ao movimento revolucionário do proletariado, mesmo em condições adversas, na qual o capitalismo oligopolista transnacional, através da superexploração internacional, do fordismo e Estado Integracionista, buscou forjar um aumento da renda e consumo e garantir sua estabilidade política no bloco imperialista, o que conseguiu relativamente até meados dos anos 1960. Pannekoek morreu em 1960 e por isso não pode ver a breve retomada do movimento operário no final dessa década, o que promoveu um renovado interesse por sua obra e a dos comunistas conselhistas[29]. O marxismo avança teórica e praticamente, quantitativa e qualitativamente, com a ascensão do movimento revolucionário do proletariado e recua com o refluxo deste. Porém, as conquistas passadas podem ser preservadas por determinados indivíduos, que viveram ou se identificaram com tais lutas passadas, mantendo os seus princípios vivos no presente. Isto é expresso pelo marxismo resiliente de Pannekoek, Mattick, Korsch, que, mesmo após a derrota e mudança de situação, preservaram as lições e o caráter revolucionário das lutas passadas (com suas diferenças, inclusive de grau, é claro). A resiliência revolucionária de Pannekoek se mostrou em sua firmeza e reflexão sobre a experiência passada, mantendo e aprofundando a crítica das organizações burocráticas, da mesma forma que retomando os grandes momentos da luta revolucionária passada que pode ser retomada sob forma diferente no presente.
É por isso que Pannekoek conseguiu explicitar alguns aspectos fundamentais da luta proletária revolucionária, expressos nos textos aqui apresentados, tais como a greve selvagem, o comitê de greve, os conselhos operários. A importância da greve no pensamento de Pannekoek é uma retomada de sua importância real, prática, para as lutas proletárias. As greves selvagens são aquelas que ocorrem independente dos sindicatos ou contra eles (e pode até nascer devido sua iniciativa, em casos raros, mas logo se autonomiza e ganha continuidade em contraposição a eles)[30].
A ação direta é outro elemento fundamental de sua contribuição, mostrando que o proletariado deve se livrar de suas vanguardas, burocracias, representantes, etc. Da mesma forma, sua análise dos embriões dos conselhos operários, especialmente os comitês de greve, é fundamental, bem como os elementos envolvidos nesse processo (solidariedade, ação direta, etc.). A sua análise dos conselhos operários, no entanto, é sua contribuição fundamental e que todas as outras são derivadas, pois é nessa forma de auto-organização proletária que ele vê a forma da luta revolucionária e da organização social pós-capitalista, órgãos da revolução e da autogestão da sociedade futura. Nesse sentido, a obra de Pannekoek é uma das grandes obras do pensamento humano e, ao lado de outros, merece não só leitura, pesquisa, estudos, divulgação, mas o confronto com a realidade e com as práticas políticas dos militantes e proletários, mostrando praticamente sua importância teórica e política. Ela também mostra que a sua ontogênese reproduz sua filogênese, pois a trajetória teórico-política de Pannekoek reaparece em seus últimos textos, na qual geralmente se passa da crítica das organizações burocráticas para a defesa das formas proletárias de auto-organização.
A sua marginalização nos meios acadêmicos e políticos-institucionais (partidos, sindicatos, Estado, etc.) mostra não somente seu caráter revolucionário[31] – e por isso pouco palatável por estas esferas da sociedade capitalista – como também que a concepção de Korsch sobre a história do marxismo se mostra correta. Por fim, a leitura dos textos aqui reunidos é uma rica fonte de pesquisa e inspiração libertária-revolucionária, e sua publicação – ao lado de outras – apenas anunciam a tendência de uma nova onda revolucionária e contribui com ela, tendo, portanto, um papel teórico-prático.

Referências Bibliográficas

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[1] Sempre que há ascensão das lutas operárias, há a tendência de resgate de pensadores como Pannekoek e foi isso que fez seus textos reaparecerem no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 e novamente a partir do final da década de 1990. Inclusive a internet serviu para a difusão de vários textos dele e para aumentar sua popularidade nos meios revolucionários e até acadêmicos, em muito menor escala, é claro. Mas é preciso ressaltar que, se a internet significa um processo de divulgação importante, ela também deve ser vista criticamente, pois a qualidade das traduções é muito precária e, algumas vezes, aparecem coisas no texto que não estão no original. Assim, o cuidado e senso crítico é fundamental na leitura de textos traduzidos disponibilizados na internet. Claro que o problema de tradução é grave não apenas na internet, mas nesta é mais grave já que muitas vezes falta autoria, referências e fontes, tendo, pois, uma confiabilidade menor.
[2] Para quem parte de uma perspectiva revolucionária, é extremamente contraditório ser um leitor dogmático, que faz leituras acríticas e aceitando tudo o que lê sem reflexão, contextualização, análise, comparação, etc. Esse é um problema grave nos círculos militantes e que gera oposições rígidas em casos nos quais não há a menor necessidade. O leitor dogmático acredita que o autor é infalível e que não há nenhum problema e nada para ser questionado, o que ele disse está dito e pronto, é a verdade. O leitor crítico, obviamente, pode concordar com a totalidade do escrito, mas isto não é algo a priori e sem reflexão e outros procedimentos da leitura crítica. A questão fundamental não é a concordância ou discordância com o autor e sim o tipo de leitura que se realiza. A credibilidade de um autor como Pannekoek, sem dúvida, deve levar em conta sua biografia e compromisso com a transformação social, mas esse não pode ser um critério absoluto e único, inclusive pelo fato de que ser bem intencionado não é suficiente, embora fundamental. Além da confiança que o autor desperta (no caso daqueles que possuem esse mérito por sua história de vida) é necessária a reflexão racional e crítica, revolucionária, portanto, não-dogmática, sobre seus escritos. Isso, de forma alguma, significa que se deva ler para procurar defeitos e problemas e sim que é necessário entender que é possível encontrar tais elementos e não se deve fazer de conta que eles não existem ou podem existir e, além disso, se cegar diante disso.
[3] Aqui não se trata das divergências com o bolchevismo, que já apresentam uma crítica – que, no entanto, não era “radical”, no sentido de não ir até a raiz do bolchevismo – e sim do momento em que o bolchevismo é reconhecido como contrarrevolucionário e a crítica se torna realmente radical.
[4] Aqui se trata de partido político organizado formalmente e não qualquer organização política. A confusão pode ser reforçada por uma certa imprecisão conceitual de Pannekoek, a qual vamos abordar adiante.
[5] A concepção de Marx sobre a autoemancipação proletária é relativamente pouco conhecida, devido
a diversas determinações: o predomínio da interpretação leninista de sua obra, a falta de leitura ou má leitura, a seleção de obras e desconsideração por outras, as más traduções, a dificuldade de acesso a alguns textos, o exército de comentaristas que não entenderam sua obra ou que fazem leituras parciais derivando de complementos alheios aos seus escritos os aspectos que não entendem (vindo especialmente de Lênin ou da socialdemocracia), as críticas equivocadas de adversários, etc. Pretendemos mostrar o verdadeiro caráter da concepção de Marx a respeito da revolução proletária no livro Marx Libertário – Autoemancipação Proletária e Associação Revolucionária. Alguns autores destacaram esse caráter da obra de Marx, porém, também não são os mais divulgados e conhecidos, tal como Rubel e Janover (1977), Berger (1977), Guérin (1969), Guillerm e Bourdet (1976), Bourdet (1974), Bourdet (1972), Massari (1975), entre outros.
[6] A experiência da Comuna de Paris foi teorizada por Marx e acabou sendo a essência da concepção marxista da revolução proletária, que é autogestionária (embora sem usar esta palavra), sendo a Comuna considerada a forma encontrada da autoemancipação (Marx, 2011; Viana, 2011a; Viana, 2011b). Além de Pannekoek, que a partir do que ele denominou “novo movimento operário” e a emergência dos conselhos operários, é que se começa a teorizar sobre esta forma de auto-organização como meio para a revolução social e forma de organização da produção na sociedade comunista. Sem dúvida, Parvus e Trotsky (o jovem Trotsky, o antibolchevista), foram os primeiros a destacar a importância dos conselhos operários a partir da revolução russa de 1905 (Viana, 2010; Trotsky, 1989; Parvus, 1978). Porém, é com a nova revolução russa de 1917, quando os conselhos reemergem, bem como a revolução alemã, mas também nos casos italiano e húngaro, entre outros menos radicais e amplos, sua extensão por diversos países em tentativas de revoluções proletárias, promovem um conjunto de reflexão e ação política a seu favor, especialmente pelo chamado comunismo de conselhos, contando com Pannekoek, Rühle, Gorter, Mattick, Wagner, Brendel, Meijer e vários outros na Holanda e Alemanha, bem como os ingleses (Sylvia Pankhurst, Guy Aldred), entre outros. Após esse período revolucionário, tanto os que se inspiraram nestes autores, quanto outros que se basearam em experiências históricas posteriores (Hungria, Polônia, Portugal, etc.), continuaram a defender tal posição.
[7] O capitalismo oligopolista é o que existiu entre a segunda metade do século 19 até o final da Segunda Guerra Mundial, sob o regime de acumulação intensivo, enquanto que o capitalismo oligopolista transnacional é o que emerge após a Segunda Guerra Mundial e se mantém até o final dos anos 1970, sob o regime de acumulação intensivo-extensivo (Viana, 2009), ou regime de acumulação conjugado.
[8] Sem dúvida, muitos confundem esse processo por fazer, indistintamente, leitura de textos de Pannekoek antes e durante esse período. Isso significa não se atentar para a evolução intelectual do autor e, por conseguinte, não compreender as alterações de seu pensamento.
[9] Este é o caso de sua análise dos sindicatos (Viana, 2011c), que, em artigo de 1936 (1977a), ainda apresenta certa ambiguidade, o que será completamente desfeito em sua obra Os Conselhos Operários (Pannekoek, 1977b), com edição portuguesa incompleta com o título de A Revolução Operária (Pannekoek, 2011).
[10] O sindicalismo revolucionário desenvolveu-se na França, e teve como principal representante intelectual Georges Sorel.
[11] Aliás, este texto irá ter forte influência sobre Lênin, que, inclusive, escreveu o texto As Divergências no Movimento Operário Europeu (Lênin, 1983), escrito um ano após o livro de Pannekoek e contendo pouca diferença em relação a ele. A influência deste escrito se manifestará posteriormente, quando escrever duas de suas obras principais: O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo (Lênin, 1989), na qual retomará a expressão de Pannekoek de “enfermidade infantil” (Pannekoek, 2007) e O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (Lênin, 1987), na qual retoma a tese de Pannekoek da “aristocracia operária”, só que deformando-a. Aliás, Lênin não era um pensador muito criativo, o que se mostra inclusive nos títulos de suas obras, tal como este texto que quase reproduz o título de Pannekoek, e outros casos, tal como em As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo (Lênin, 1985), que repete título de obra de Kautsky (1980), As Fontes do Marxismo acrescentando a segunda parte. O problema fundamental, no entanto, não se encontrava no título – o que seria sem grande importância – e sim no conteúdo de seus textos, sempre reproduzindo idéias alheias.
[12] Na mesma época, Rosa Luxemburgo (e outros, como Franz Mehring) debatia a questão da greve com Waldeverde e outros. A questão é que a ala reformista, dita “ortodoxa” era contra o movimento grevista e a ala dissidente da socialdemocracia, representada por Pannekoek, Gorter, Rosa Luxemburgo, Mehring e vários outros, eram favoráveis ao movimento grevista. Parte desse debate foi reproduzido em: Parvus, 1978.
[13] Tais partidos sempre foram burocráticos, no sentido de se organizarem através da relação entre dirigentes e dirigidos. A burocratização a que nos referimos é um processo, almejado e desejado pelas burocracias existentes, de expandir os quadros burocráticos, obviamente dentro da lógica burocrática, ou seja, através da hierarquia, na qual a criação de novos cargos e contratação de mais burocratas, proporciona uma hierarquização crescente.
[14] Isso foi discutido em nível psicanalítico por Erich Fromm (1986), ao distinguir o caráter rebelde e o caráter revolucionário.
[15] Existe uma ampla bibliografia sobre a burocracia como classe social, sob distintas perspectivas (inclusive no interior do marxismo) e com diferentes denominações, e não poderemos apresentar aqui. Para um breve histórico da teoria da burocracia como classe social e apresentação da concepção que defendemos, cf. Viana, 2011d).
[16] Uma biografia de Pannekoek pode ser vista em: Mendonça, 2011.
[17] Há uma edição portuguesa (Gorter, 1981), embora falte uma parte, algumas páginas sobre o oportunismo da Terceira Internacional. Uma versão completa pode ser encontrada em uma edição espanhola (Gorter e Lênin, 1971).
[18] No período inicial do KPD, a hegemonia interna era da tendência de Otto Rühle, um dos principais representantes do futuro comunismo de conselhos e que, nessa época, representava a tendência dos “comunistas internacionalistas”, mas a direção do partido estava com Rosa Luxemburgo e a Liga Spartacus, que, apesar das polêmicas entre ambos os grupos, tinha a confiança do outro grupo que lhe cedia o que não queria, a direção. Posteriormente, a Liga Spartacus ganha influência e força, e o grupo de Rühle (e outros) perdem espaço para as tendências socialdemocratizantes e pró-bolchevique.
[19] Um debate entre Gorter e Rühle demarcou duas posições distintas durante a revolução alemã: Gorter defendia a necessidade do KAPD e Rühle defendia sua abolição e participação das uniões operárias que aglutinavam os conselhos operários. As duas posições se mantiveram até a resolução prática que foi a derrota das lutas operárias e consequente enfraquecimento do KAPD e das uniões operárias, até a extinção de ambas organizações. O que foi gerado depois foram pequenos grupos políticos conselhistas, principalmente na Holanda e Alemanha. Porém, muitos confundem o KAPD com um partido político no sentido atual do termo, o que não é verdade. A discussão entre Gorter e Rühle era sobre a necessidade de existir uma “organização unitária”, apenas dos trabalhadores, ou uma “dupla organização”, a dos trabalhadores (conselhos operários, uniões operárias) e uma outra política, a dos revolucionários. Por conseguinte, Gorter não defendeu a existência de partido, a não ser num sentido muito amplo da palavra, o que voltaremos a discutir adiante.
[20] Guerra civil aberta é um termo usado por Marx (Marx e Engels, 1988) para expressar o momento em que a luta de classes se radicaliza e a guerra civil oculta se torna aberta, que é quando o proletariado entra em cena como classe revolucionária, corroendo o poder burguês, ou seja, de um lado o proletariado radicaliza, cria suas formas de auto-organização (como os conselhos operários) e por outro subsiste o poder estatal burguês, e, nesse momento, ou uma ou outra forma de organização, a proletária ou a burguesa, vencem a luta decretando a revolução ou a contrarrevolução.
[21] A bastante conhecida tese de que o proletariado jogado a si mesmo chega no máximo a uma consciência sindical, reformista, de lutas econômicas, enquanto que a consciência socialista brota nos cérebros dos intelectuais burgueses e pequeno-burgueses que tem acesso a ciência e se organizam no partido, é de Kautsky. Lênin apenas retoma essa ideologia e acrescenta alguns aspectos, entre elas a do centralismo democrático e revolucionários profissionais (Lênin, 1988). Essa ideologia justifica e legitima a dominação burocrática interna dentro do partido e deste sobre a classe operária, sendo, pois, uma ideologia da burocracia. Essa concepção leninista de partido irá encontrar oposição dos mencheviques e do jovem Trotsky, que irá elaborar a tese do substitucionismo, na qual o partido substitui a classe, a direção do partido substitui este, o comitê central substitui a direção e por último um ditador único substitui o comitê central (Trotsky, 1975). O próprio Trotsky, posteriormente, reproduzirá esta ideologia, pois seus laços com a revolução bolchevique e o leninismo, inclusive com o stalinismo – que não teria existido sem sua participação e de Lênin no sentido de burocratizar o processo revolucionário e retirar a autogestão das lutas e unidades de produção da classe operária e jogar na burocracia estatal a direção geral da sociedade russa, foi um dos principais arquitetos da contrarrevolução burocrática com seu exército vermelho e ideias como as da militarização dos sindicatos, etc. Assim, stalinismo e trotskismo são irmãos gêmeos e filhos do leninismo e netos do kautskismo, que possuem suas divergências por expressarem frações e tendências distintas no interior da burocracia como classe social.
[22] Dois autores tiveram o trabalho de comparar textos de Marx e Lênin sobre socialismo para mostrar o total antagonismo entre eles: Berger (1977) e Paresh Chattopadhyay (2011). Marx, baseando-se na Comuna de Paris (Marx, 2011), defendeu a ideia do “salário igual aos dos operários para todos”, porém, na Crítica ao Programa de Gotha (Marx, 1974), avançava ao propor o fim do salariato e do dinheiro. Lênin, em O Estado e a Revolução, apesar de conhecer e citar esta última obra de Marx, mantém a versão dos salários iguais, abstraindo o contexto da Comuna de Paris e seu caráter de revolução proletária inacabada (Viana, 2011b)
[23] “Por que não dizer – como não faltaram pessoas que dissessem – que nunca houve na Rússia nada mais do que o golpe de Estado de um partido que, tendo obtido de um ou de outro modo o apoio do proletariado, tendia apenas a instaurar sua própria ditadura e conseguiu fazê-lo?” (Castoriadis, 1985, p. 234).
[24] O que caracteriza o capitalismo, sua essência, não pode existir no comunismo, obviamente, mas isso é defendido explicitamente por Stálin (1985) e por ideólogos da antiga União Soviética.
[25] Sobre as organizações revolucionárias, Pannekoek não realizou uma abordagem coerente e abrangente. Às vezes se posicionou como não sendo necessárias, outras vezes como necessárias, mas apenas como grupos de opinião e propaganda. Isso, por um lado, é correto, pois evita a vanguarda e o dirigismo, mas, por outro, é equivocado, já que deixa terreno livre para os vanguardistas e limita a ação revolucionária. Obviamente que as organizações revolucionárias devem abandonar o dirigismo, mas nem por isso devem se limitar tão-somente à propaganda e discussão.
[26] Em outra oportunidade, esboçamos um conceito de partido político (Viana, 2003). Esse conceito deixa bem claro que todos os partidos políticos são organizações burocráticas e, portanto, conservadoras e que não servem para o processo revolucionário mas tão-somente para o processo contrarrevolucionário. Obviamente que os indivíduos revolucionários podem se unir e organizar, mas devem fazê-lo em organizações não-burocráticas, ou seja, não em partidos políticos e sim em grupos políticos, que remete a outra conceituação. É interesse do bolchevismo realizar tal confusão entre partido político – organização burocrática, tal como os ditos partidos comunistas e socialdemocratas – e grupos políticos, organizações não burocráticas, pois assim legitima  o primeiro e a si mesmo.
[27] Sobre aspectos conjunturais e estruturais de um discurso, cf.: Viana, 2009.
[28] Em física, resiliência significa um material que recupera a sua forma ou posição original depois de sofrer um choque ou deformação, mas no sentido figurativo expressa poder de recuperação, de superação, apesar das adversidades.
[29] O comunismo de conselhos foi retomado no bojo da ascensão das lutas operárias e estudantis na Itália, Alemanha, França e outros países. Cohn-Bendit (1988), por exemplo, deixa claro sua influência do comunismo de conselhos.
[30] Nesse sentido, Ratgeb, pseudônimo de Raoul Vaneigen, um dos principais teóricos situacionistas, retoma as análise de Pannekoek, ao conceber o caminho revolucionário desde as greves selvagens até chegar à autogestão generalizada (Ratgeb, 1974), tal como Pannekoek.
[31] “Nada prova de maneira mais peremptória o caráter revolucionário das teorias de Marx do que a dificuldade de assegurar a sua manutenção nos períodos não revolucionários” (Mattick, 1977, p. 56).
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Este texto é o prefácio da obra: PANNEKOEK, Anton. Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Rio de Janeiro: Rizoma, 2011.